TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
272 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 14.º A lei não restringe o âmbito daquele articulado próprio, pelo que o putativo trabalhador pode nele susten- tar que a relação mantida com o alegado empregador é de prestação de serviços. 15.º Por outro lado, após a fase dos articulados, é realizada audiência de partes entre o trabalhador e emprega- dor, com a finalidade de obter a sua conciliação (artigo 186.º-O/1 do CPT). 16.º No referido preceito legal não é feita qualquer referência a que a validade do eventual acordo que venha a ser por aqueles alcançado esteja dependente da aprovação do Ministério Público, assim como a referida norma não contém qualquer elemento que aponte no sentido de que a conciliação aí prevista apenas é válida quando se traduza no reconhecimento da natureza laboral do contrato. 17.º A liberdade de escolha de profissão, consagrada no artigo 47.º da CRP, compreende diversas componen- tes, entre as quais o direito de escolher o regime de trabalho, isto é, o direito de optar por prestar a sua atividade profissional em regime de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviços. 18.º O contrato de trabalho insere-se no domínio da autonomia da vontade e constitui expressão dessa vontade. 19.º Da interpretação feita pelo Tribunal da Relação do Porto do regime da ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho, em especial do artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT, decorre a possibilidade de haver contrato ( in casu , de trabalho) sem vontade de nenhum dos contraentes, em ação judicial cujos efeitos respeitam apenas àqueles e se limitam à declaração da existência de vínculo entre eles. 20.º O que significa que o Estado poderia interferir na escolha do tipo contratual e obrigar as partes a modifi- car a relação estabelecida entre elas, assim como poderia impor-lhes que litiguem em Tribunal mesmo sem terem qualquer litígio referente a essa relação. 21.º Porém, do direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho decorre, negativamente, a proibição de o Estado vincular quem quer que seja a certo género de trabalho. 22.º O Ministério Público não tem poder para conformar todas as relações jurídicas, designadamente as de natureza privada, com o ordenamento jurídico vigente em cada momento. 23.º O entendimento preconizado no acórdão recorrido é, aliás, contrário ao sustentado pelo Tribunal Cons- titucional no que respeita à relevância da vontade do alegado trabalhador na presente ação e forma como a mesma pode ser manifestada, na medida em que este já afirmou que o que se pretende com o regime legal da ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho “é combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviços em situações em que, apesar de determinada relação ser formalmente titulada pelas partes como contrato de pres- tação de serviço, corresponda, substancialmente, a uma situação de trabalho subordinado, à qual deveria, por isso, ser aplicado o regime laboral”, sendo que, “nas situações [...] em que uma pessoa não quer estar sujeita a nenhuma relação de subordinação jurídica ou em que está vinculada a uma relação jurídica de um especifico tipo contratual que não lhe permite ter uma ou outra relação jurídica de natureza laboral, não se verifica um caso de utilização indevida do contrato de prestação de serviço, visto que nenhuma das partes (e, concretamente, quem presta a outrem determinada atividade remunerada) pretende que a relação jurídica em causa esteja sujeita ao regime labo- ral” (Acórdão n.º 94/15, de 3 de fevereiro, p. 25). 24.º Prossegue o Tribunal Constitucional no sentido de que, “nessas situações, o referido regime contém sufi- cientes garantias de esta vontade do trabalhador poder ser expressa nos autos e levada em conta, de modo a que tal situação não seja tratada como sendo um caso de trabalho subordinado “, dando como exemplo precisamente os artigos 186.º-L, n.º 4 e 186.º-O, n.º 1 do CPT, para sustentar que o regime “garante a intervenção nos autos, quer do trabalhador, quer da entidade empregadora, sendo facultada ao trabalhador a oportunidade processual de tomar posição quanto às circunstâncias concretas em que desenvolve a sua atividade, podendo, além do mais, invocar que se pretendeu vincular num regime que não o do contrato de trabalho (designadamente por não querer estar sujeito a nenhuma relação de subordinação jurídica ou por estar vinculado a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter outra relação jurídica de natureza laboral)” (cfr. p. 26 do referido Acórdão). 25.º A interpretação defendida pelo Tribunal da Relação do Porto no sentido de que o alegado trabalhador não pode dispor do direito em litígio, que consiste na qualificação da relação contratual de que é parte como contrato de trabalho, viola o princípio da liberdade de escolha do género de trabalho, na sua vertente da liberdade de exer- cício, previsto no artigo 47.º da CRP.
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