TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

270 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “…Normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie 1. O presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade é interposto ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da LTC, por entender a recorrente que o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão proferido nestes autos a 26.05.2015, interpretou e aplicou preceito legal em sentido desconforme à Constituição. 2. O preceito legal onde se encontra vertida a norma jurídica, cuja conformidade constitucional a recorrente pretende ver apreciada, é o artigo 186.º-O, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que aprovou a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. 3. A dimensão normativa extraída do referido preceito legal, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aquela que resulta da interpretação do aludido preceito no sentido de não ser permitido aos putativos trabalhador e empregador dispor do objeto do litígio, acordando, em sede de audiência de partes, que a relação jurídica existente entre ambos é de prestação de serviços, 4. Donde se extrai que ao Ministério Público é reconhecido direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação e, bem assim, à posição assumida pelos putativos trabalhador e empregador na referida audiência de partes. 5. É inequívoco que o Acórdão recorrido aplicou a norma extraída da disposição legal citada no sentido assina- lado, enfrentando diretamente a questão de (in)constitucionalidade em termos que se reputam incorretos. 6. Fê-lo ao decidir que na tentativa de conciliação prevista no artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT não é permitido ao putativo empregador dispor do objeto do litígio, por estarem alegadamente em causa na ação especial de reconheci- mento da existência de contrato de trabalho, a que se reporta a Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, interesses públicos e não apenas interesses privados dos titulares da relação contratual em causa e por esta ação ter sido interposta pelo Ministério Público, assumindo este a posição de autor, 7. Decidindo, por isso, que não é passível de homologação a transação em que os contraentes da relação mate- rial controvertida acordam em que esta consubstancia contrato de prestação de serviços, 8. Donde resulta que o Ministério Público pode prosseguir ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (ação de simples apreciação positiva que se limita a declarar a existência de direito ou facto jurídico), em oposição à vontade e interesse livremente manifestada pelos titulares da relação jurídica em discussão, na audiência de partes prevista no artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT. Normas e princípios constitucionais que se considera terem sido violados 9. A norma jurídica constante do artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, interpretada e aplicada no sentido explicitado nos pontos 3 a 5 supra, adotado pelo Acórdão recorrido, viola os princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de ação, previstos, respetivamente, nos artigos 47.º/1 e 20.º/1 e 4 da Constituição da Repú- blica e, bem assim, os princípios da igualdade e do direito a processo equitativo, previstos respetivamente nos arti- gos 13.º/1 e 20.º/4 da Constituição, porquanto tal interpretação determina que não esteja na disponibilidade dos sujeitos da relação material controvertida transigir, em sede de audiência de partes, no sentido de que esta relação é de prestação de serviços, pondo, assim, termo ao processo e, bem assim, que se reconheça ao Ministério Público direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação (infringindo os valores da autonomia privada e da liberdade contra- tual, acolhidos no artigo 405.º do Código Civil), donde resulta que pode ser declarada a existência de contrato ( in casu , de trabalho) sem vontade de nenhum dos contraentes, interpretação que não respeita o sentido do texto legis- lativo, sendo incoerente com as soluções previstas pelo sistema jurídico para situações semelhantes e conduzindo a resultados distintos para pretensões iguais, sem justificação adequada. Peças processuais em que foi suscitada a questão de (in)constitucionalidade 10. A questão de (in)constitucionalidade referida supra foi suscitada na contestação apresentada pela ora recor- rente, enquanto exceção inominada de inconstitucionalidade (pontos 1 a 3 da matéria de Direito), bem como nas contra-alegações do recurso de apelação nas pp. 12 e 25, e ainda nas Conclusões 10.ª e 22.ª dessa peça processual.”

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