TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
255 acórdão n.º 76/16 III – Decisão Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide: – Julgar inconstitucional, por violação do artigo 2.º da Constituição, da norma contida no n.º 1 do artigo 257.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho; – Julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida. Lisboa, 3 de fevereiro de 2016. – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Ran- gel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha (vencido de acordo com a declaração de voto em anexo) – Maria Lúcia Amaral. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido com base nas seguintes considerações. O acórdão não deixa de reconhecer, citando anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional, que o princípio da tipicidade, como corolário do princípio da legalidade criminal, não veda em absoluto a for- mulação de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais, e que se torna justificável, mesmo no domínio penal, uma relativa indeterminação dos tipos legais. E tem igualmente presente que, em face da diferente ressonância ética dos ilícitos e dos bens jurídicos em causa, as garantias do processo penal não podem ser aplicadas com a mesma extensão e intensidade no domínio contraordenacional e, por isso, também, não é exigível, na especificação dos factos sancionáveis e na individualização dos seus elementos típicos, o mesmo grau de determinação e precisão que é constitucionalmente imposto às normas penais. No entanto, na aplicação destes critérios ao caso concreto, o Tribunal acaba por considerar que a previsão do dever de comunicação à Autoridade para as Condições do Trabalho da ocorrência dos acidentes mortais ou que evidenciem uma situação particularmente grave, nos termos do artigo 257.º, n.º 1, do Regulamento do Código do Trabalho, contém um elevado grau de indeterminação do conteúdo normativo, na parte em que inclui, na descrição do ilícito contraordenacional, um conceito jurídico indeterminado, que, por si, gera uma situação de dúvida e incerteza quanto à identificação dos acidentes de trabalho que devam ser comunicados. Ora, o que o Tribunal está a censurar, ao formular um juízo de inconstitucionalidade, é justamente a utilização, na descrição do tipo, de um conceito indeterminado, apesar de ter reconhecido, à partida, que o recurso a fórmulas de maior indeterminação ou flexibilidade normativa não implica, só por si, a violação do princípio da tipicidade, e que, em todo o caso, as exigências de tipicidade se fazem sentir em menor grau no âmbito de outros ramos do direito público sancionatório, maxime , no domínio do direito contraordenacio- nal ou disciplinar (também, neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 351/11). Mas, para além disso, na hipótese considerada, o conceito indeterminado não surge isolado, como sendo a única fórmula legislativa pela qual é tipificado o comportamento contraordenacional, mas deve antes ser entendido no contexto verbal da norma e, especialmente, por referência ao inciso em que se loca- liza. A norma impõe ao empregador o dever de comunicação de acidentes de trabalho quando se trate de acidentes mortais ou que evidenciem uma situação particularmente grave, o que tem o significado inequí- voco de explicitar que a comunicação apenas é exigível em relação a acidentes que produzam consequências especialmente lesivas, o que é revelado, não apenas pelo conceito indeterminado que é utilizado (situação particularmente grave), mas também pela conexão que é estabelecida com a situação taxativamente prevista (acidentes mortais). E, por outro lado, é necessário notar que, para além do caso de acidente mortal, o dever de comunicação apenas opera em relação a acidentes que evidenciem uma situação particularmente grave, e, por conseguinte, apenas nos casos em que, no momento da ocorrência do acidente, se possa logo constatar a especial gravidade das lesões. O que também explica que a comunicação deva ser efetuada nas 24 horas seguintes à ocorrência.
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