TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
254 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL remissão para outras fontes normativas que complementem e determinem aqueles casos. Sabe-se que estes métodos e técnicas legislativas, desde que permitam de forma suficientemente autónoma formular o facto ilícito, não põem em causa o sentido fundamental do princípio nullum crimen (Acórdãos n. os 559/01, 41/04, 102/08, 115/08 e 635/11). Mas na ausência dessa regulamentação típica, fica-se por uma indeterminação normativa demasiado excessiva quanto à indicação dos acidentes de trabalho que o empregador deve comu- nicar à ACT. Decerto que o legislador ao impor o dever de comunicação não o fez para permitir manifestações mera- mente subjetivas dos empregadores, mas sim para que se realizassem os fins que o determinaram a estabelecer tal obrigação. A imposição aos empregadores da obrigação de comunicarem às autoridades do trabalho certo tipo de acidentes tem em vista a proteção das condições de segurança que devem ser asseguradas aos trabalha- dores no local e no tempo de trabalho. Tal obrigação está diretamente relacionada com a norma do n.º 2 do artigo 279.º do Código do Trabalho, na versão então vigente, que atribui à ACT a competência para «realizar inquéritos em caso de acidente de trabalho mortal ou que evidencie uma situação particularmente grave». Por conseguinte, o dever de comunicação do acidente tem por finalidade permitir à ACT conhecer os casos que justificam a realização de um inquérito às condições de segurança em que o trabalho estava a ser pres- tado. Ora, enquanto pressupostos de atuação da ACT, o conceito indeterminado «situação particularmente grave» convive bem com o princípio da legalidade administrativa. Não obstante o emprego do adjetivo «grave» subtrair a aplicação do artigo 257.º a um entendimento unívoco de uma situação objetiva causadora de danos corporais ao trabalhador, já que a sua aplicação ao caso concreto pode envolver juízos de valor que inevitavelmente contêm elementos subjetivos, muitos deles integrados numa prognose, a sujeição da Admi- nistração ao princípio da juridicidade consente uma normatividade indeterminada e aberta como aquela. O espaço de autonomia concedido por aquele conceito permite à Administração criar diretivas internas de execução a determinar quais os acidentes de trabalho que são objeto de inquérito, mas que naturalmente só a ela vinculam. Diferentemente acontece com as normas que proíbem ações ou impõem omissões cuja prática é comi- nada com uma sanção. Aí a legalidade tem uma função de garantia, exigida pelo princípio do Estado de direito, que só é cumprida se houver um mínimo de determinabilidade dos comportamentos proibidos. Ou seja, a norma deve ser minimamente clara e precisa para que o agente possa saber, a partir do texto legal, quais os atos ou omissões que acarretam a sua responsabilidade. Ora, é esse mínimo de objetivação que falha na formulação legal do dever de comunicação dos acidentes de trabalho às autoridades administrativas que é imposto aos empregadores no artigo 257.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho. Para exprimir esse dever de comunicação não se mostra adequado e suficiente usar o enunciado «situação particularmente grave», dado o elevado grau de indeterminação nele implicado. Em certos casos, os empregadores podem ficar numa situa- ção de dúvida e incerteza quanto à identificação dos acidentes especialmente graves que devem ser comuni- cados à ACT. A primitiva legislação – e o que parece resultar da Diretiva 89/391/CE – impunha a obrigação de comunicar apenas os acidentes de trabalho que acarretassem mais de três dias de incapacidade total, um enunciado de conteúdo objetivamente determinável. Já a opção legislativa pela fórmula «situação particular- mente grave», que já vem da Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de novembro, abre-se a uma pluralidade de esco- lhas, tantas quantas as subjetividades que as constituem, gerando assim dúvidas e incertezas quanto ao tipo de acidentes de trabalho que devem ser comunicados à ACT. E não são as autoridades do trabalho, na sua função sancionadora, ou as autoridades judiciais, na sua função de controlo, quem vão dizer qual é a única solução válida, pois o grau de abertura do conceito indeterminado «particularmente grave» não deixa de pos- sibilitar a intervenção das suas opções pessoais. Ora, ao abrir-se as portas à mera subjetividade, o agente não encontra no texto da lei a objetivação necessária e adequada que garanta a segurança e confiança jurídicas. Assim, a norma do n.º 1 do artigo 257.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, revela um tal grau de indeterminação na definição da conduta contraordenacional que não satisfaz as exigências dos princípios do Estado de direito democrático, da segurança jurídica e da confiança, pelo é inconstitucional, por violação do artigo 2.º da Constituição.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=