TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

251 acórdão n.º 76/16 se torne objetivamente motivável e dirigível a condutas dos cidadãos» ( Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 174). A exigência de determinabilidade do conteúdo das normas penais, uma dimensão do denominado princípio da tipicidade, é avessa a que o legislador formule normas penais recorrendo a cláusulas gerais na definição dos crimes, a conceitos que obstem à determinação objetiva das condutas proibidas ou que remeta a sua concretização para fontes normativas inferiores, as chamadas normas penais em branco. A exclusão de fórmulas vagas na descrição dos tipos legais, de normas excessivamente indeterminadas e de normas em branco, leva em conta os valores da segurança e confiança jurídicas postulados pelo princípio da legalidade criminal. Com efeito, a exigência de clareza e densidade suficiente das normas restritivas, como é o caso das normas penais, é um fator de garantia da confiança e da segurança jurídica, «uma vez que o cidadão só pode conformar autonomamente os próprios planos de vida se souber com o que pode contar, qual a margem de ação que lhe está garantida, o que pode legitimamente esperar das eventuais intervenções do Estado na sua esfera pessoal» (Jorge Reis Novais, As restrições aos Direitos Fundamentais, não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra Editora, 2.ª edição, p. 770). Deve reconhecer-se, porém, que a exigência de lex certa, como corolário do princípio da legalidade criminal, não veda em absoluto a formulação dos pressupostos jurídico-constitutivos da incriminação atra- vés de elementos normativos, conceitos indeterminados, cláusulas gerais e fórmulas gerais de valor. Seria inviável, até pela natureza da própria linguagem jurídica, uma determinação absoluta do tipo legal de ilícito. Como refere Castanheira Neves, uma predeterminação integral que possibilitasse um conhecimento univer- salmente unívoco e uma aplicação lógico-necessária «é hoje impensável, porque é também ela contrariada pelas intenções normativas atuais do direito criminal e porque é em qualquer caso metodicamente irreali- zável». Uma total determinação do facto punível é inviável ou impossível, uma vez que a indeterminação normativa operada por aqueles elementos e conceitos «é expressão irredutível já da dimensão pragmática da linguagem jurídica, já da intenção normativa das prescrições jurídicas, já da índole problemático-concreta do decisório juízo jurisdicional» (“O Princípio da Legalidade criminal. O seu problema jurídico e o seu critério dogmático”, in Digesta, Vol. I, Coimbra Editora, pp. 371 e 377). Em princípio, a modelação do tipo legal de crime com recurso a conceitos indeterminados não afronta os princípios da legalidade e da tipicidade. Como reconhece o Tribunal Constitucional, após se interrogar sobre o grau admissível de indeterminação ou flexibilidade normativa em matéria de ilícitos penais, «uma relativa indeterminação dos tipos legais pode mostrar-se justificada, sem que isso signifique violação dos princípios da legalidade e da tipicidade» (Acórdão n.º 93/01). Mas se é impossível uma total determinação dos elementos compósitos da ação punível, há de exigir-se um grau de determinação suficiente que não ponha em causa os fundamentos do princípio da legalidade. É que o princípio nullum crimen só pode cumprir a sua função de garantia se a regulamentação típica, ainda que indeterminada e aberta, for materialmente adequada e suficiente para dar a conhecer quais as ações ou omissões que o cidadão deve evitar. Como se escreve no Acórdão n.º 168/99, «averiguar da existência de uma violação do princípio da tipicidade, enquanto expressão do princípio constitucional da legalidade, equivale a apreciar da conformidade da norma penal aplicada com o grau de determinação exigível para que ela possa cumprir a sua função específica, a de orientar condutas humanas, prevenindo a lesão de relevantes bens jurí- dicos. Se a norma incriminadora se revela incapaz de definir com suficiente clareza o que é ou não objeto de punição, torna-se constitucionalmente ilegítima». 7. Nos demais domínios sancionatórios, como no direito de mera ordenação social e no direito discipli- nar, a exigência de tipicidade não se faz sentir com a intensidade que tem no direito criminal. Com maior frequência os enunciados legislativos exprimem-se aí através de cláusulas gerais, conceitos indeterminados e enumerações exemplificativas. É a diferente natureza dos ilícitos que justifica nesses direitos um certo “amo- lecimento” do princípio da legalidade: enquanto o tipo legal de crime descreve uma conduta que expressa imediatamente um certo desvalor jurídico-criminal, um certo juízo de ilicitude, o tipo contraordenacional

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