TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

249 acórdão n.º 76/16 uma “norma de comportamento” e uma “norma de sanção”, o tipo de problema que a questão de inconsti- tucionalidade coloca localiza-se apenas naquele segmento da norma. Ou seja: é na parte da norma dirigida à concretização do comportamento que se questiona se a descrição da matéria proibida, de que depende a apli- cação de uma coima, observa ou não o princípio constitucional da legalidade da intervenção sancionadora. Para a solução de um problema desta índole não é adequado convocar como parâmetro constitucional, nem o princípio nulla poena sine lege consagrado no n.º 3 do artigo 29.º, nem o princípio da natureza temporária, limitada e definida das penas estabelecido no n.º 1 do artigo 30.º da CRP. As normas constitucionais que contêm um critério materialmente adequado a solucionar o problema da determinabilidade dos comporta- mentos proibidos e sancionados são as do n.º 1 do artigo 29.º, através do princípio da tipicidade, e ao do artigo 2.º da CRP, através do princípio da segurança jurídica. Ambos os princípios levam pressuposto ou dão solução ao problema da determinabilidade da norma sancionadora. Assim, é por referência a tais parâmetros que se vai apreciar a questão de inconstitucionalidade da norma efetivamente desaplicada no feito submetido a apreciação judicial. 5. Tratando-se de uma coima aplicada em processo de contraordenação laboral a primeiro dúvida que se levanta consiste em saber se os princípios constitucionais básicos em matéria de punição criminal constantes do artigo 29.º da CRP se aplicam também aos tipos de ilícitos contraordenacionais. A Constituição faz referência ao direito contraordenacional (i) na alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º, que inclui o regime geral do ilícito de mera ordenação social na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República; (ii) na alínea q) do n.º 1 do artigo 227.º, que atribui às regiões autónomas o poder de definir ilícitos contraordenacionais; (iii) no n.º 3 do artigo 283.º, que define o regime dos efeitos repristinatórios da declaração de inconstitucionalidade, permitindo a revisão do caso julgado inconstitucio- nal; (iv) e no n.º 10 do artigo 32.º, que assegura ao arguido em processo de contraordenação o direito de audiência e defesa. Não obstante a previsão do ilícito contraordenacional nesses pontos concretos, a Constituição não indica expressamente que outros princípios constitucionais são aplicáveis ao direito de mera ordenação social, o que provoca a discussão sobre a aplicabilidade, e em que termos, das normas e princípios constitucionais em matéria penal a esse domínio. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao artigo 29.º da CRP, «é problemático saber em que medida é que os princípios consagrados neste artigo são extensivos a outros domínios sancionatórios. A epígrafe «aplicação da lei criminal» e o teor textual do preceito restringem a sua aplicação direta apenas ao direito criminal propriamente dito (crimes e respetivas sanções)» – ( Consti- tuição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição, p. 498). Mas o facto de as contraordenações fazerem parte do poder punitivo estadual, cuja expressão máxima se encontra no direito penal, justifica que o seu regime jurídico seja influenciado pelos princípios e regras comuns a todo o direito sancionatório público. O direito de mera ordenação social é um direito sanciona- dor, que permite à Administração participar no exercício do poder punitivo estadual, aplicando penalidades aos administrados, o que significa que esse direito e esse poder, enquanto emanação do jus puniendi , estão matizados pelos princípios e pelas regras “penais”. Por isso, há de admitir-se que os princípios constitucio- nais do direito penal possam influenciar os direitos sancionadores que derivam da mesma matriz. Como acrescentam os referidos autores, tem de «entender-se que esses princípios devem, na parte pertinente, valer por analogia para os demais domínios sancionatórios, designadamente o ilícito de mera ordenação social e o ilícito disciplinar». Assim, os princípios com relevo em matéria penal, como os da legalidade, da culpa, non bis in idem , da não retroatividade, da proibição dos efeitos automáticos das penas, da proibição da transmis- são da responsabilidade penal, podem estender-se ao domínio contraordenacional, até porque são derivados de princípios do Estado de direito e da segurança jurídica, nomeadamente sob o seu aspeto de proteção da confiança, princípios constitucionais de validade fundamentante da ordem jurídica. O que não significa, é evidente, que não deixe de haver diferenciações na extensão desses princípios ao domínio contraordenacional. É que a autonomia material do ilícito de mera ordenação social em relação

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