TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
248 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora o princípio constitucional da tipicidade implica que a lei especifique suficientemente os factos que consti- tuem o tipo legal de crime ou contraordenação (ou que constituem os seus pressupostos) e que efetue a necessária conexão entre o crime ou contraordenação e o tipo de pena ou coima que lhe corresponde. A tipicidade impede que o legislador utilize fórmulas vagas na descrição dos tipos legais de crime ou contraor- denação, ou preveja penas indefinidas ou com uma moldura penal de tal modo ampla que torne indeterminável a pena a aplicar em concreto. É um princípio que constitui, essencialmente, uma garantia de certeza e de segurança na determinação das condutas humanas que relevam do direito criminal. No fundo, tal princípio prende-se com conhecimento pelo destinatário do comportamento proibido ou imposto (Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. I, Lisboa, 1997, p. 220). Ora, no caso da parte da norma que se vem analisando, qualquer empregador (qualquer cidadão) fica com dúvidas sobre que tipo de acidentes deverão ser comunicados. Trata-se de acidente que esteja na origem de uma lesão grave? Ou trata-se de acidente que, por ser frequente, reveste uma manifesta falta de cumprimento de medidas de segurança no trabalho? Ou trata-se de toda e qualquer situação em que as consequências sejam impeditivas de realização do trabalho por um período prolongado e, nesse caso, por quanto tempo? Parece claro que o legislador não pretendeu que todo e qualquer acidente de trabalho tivesse que ser reportado a uma autoridade central. Acontece que a fórmula utilizada é demasiado vaga para que qualquer cidadão possa, em cada caso concreto, saber se deve, ou não, comunicar o acidente de trabalho. Se é dado um prazo de 24 horas após a ocorrência, bem se vê que a gravidade do acidente se tem de aferir imediatamente, pelo que nunca poderá estar em causa o tempo de recuperação do trabalhador. E a definição do que é a obrigação do empregador não pode ser feita, caso a caso, pela autoridade administra- tiva competente para aplicação da sanção. O caso dos autos é paradigmático da falta de segurança jurídica que a formulação da norma em causa coloca ao empregador: no imediato, está em causa uma entorse no ombro que, à partida, não demandaria uma comunicação pela falta de gravidade e, passados dois (ou mais) meses de incapacidade para o trabalho não pode surgir o dever de comunicação, quando prazo para o fazer já haveria decorrido. Assim, deverá entender-se que a parte final do citado artigo 257.º, n.º 1, da Lei 35/2004, de 29 de julho é inconstitucional por violação do princípio da tipicidade plasmado nos artigos 29.º, n. os 1 e 3, e 30.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. 4. A questão concreta de inconstitucionalidade julgada pelo juiz a quo tem como normas de referência as dos n. os 1 e 3 do artigo 29.º e do n.º 1 do artigo 30.º da CRP. Como essas normas oferecem soluções jurídi- cas para problemas diferentes, nem todas podem ser confrontadas com o tipo de problema jurídico revelado na questão de inconstitucionalidade. Enquanto a norma do n.º 1 do artigo 29.º se refere à lei criminaliza- dora, isto é, à lei que qualifica uma determinada conduta (ação ou omissão) como crime, as normas do n.º 3 desse artigo e do n.º 1 do artigo 30.º referem-se, diretamente, à lei penalizadora, isto é, à pena e medida de segurança aplicável ao agente de um determinado tipo de ilícito. Ora, a questão de inconstitucionalidade que foi relevante para a decisão da causa diz respeito à lei que exprime o sentido de ilicitude, individualizando a espécie de comportamento que é proibida pelo ordenamento jurídico, e não à lei que fixa a coima correspon- dente ao tipo de ilícito contraordenacional. De modo que as normas do n.º 3 do artigo 29.º e do n.º 1 do artigo 30.º, que se reportam às penas e medidas de segurança, não se mostram adequadas a solucionar o problema da determinabilidade do tipo de ilícito previsto no n.º 1 do artigo 257.º da Lei n.º 35/2004. O problema jurídico a resolver consiste em saber se a previsão legal do comportamento devido – dever de comunicar acidentes de trabalho que evidenciem uma situação particularmente grave – está em conformidade ou desconformidade com as exigências que a Constituição impõe às normas sancionadoras. Não obstante a norma penal, na sua globalidade, constituir
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