TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
240 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL decorrência do princípio da autonomia do processo disciplinar relativamente ao processo penal (cfr. artigos 179.º, n. os 3 e 4, da LGT), e que tem, entre outras, as seguintes consequências: (a) é possível a aplicação de duas sanções – a disciplinar e a criminal – sem violação do princípio non bis in idem ; (b) o caso julgado absolutório penal não impede que os mesmos factos sejam considerados provados em matéria disciplinar; (c) a Administração não está vinculada aos resultados probatórios obtidos em processo-crime, podendo decidir, segundo a sua livre convicção, em termos divergentes do caso julgado penal; (d) sendo imputado ao arguido em processo disciplinar os mesmos factos que constituem matéria de acusação em processo-crime, não há motivo para a suspensão do procedimento até que seja proferida decisão final no processo-crime (sobre todas estas questões, cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 161/95 e 263/94 e os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de maio de 2005, Processo n.º 930/04, de 4 de dezembro de 1997, Processo n.º 36390, de 21 de maio de 2008, Processo n.º 989/07, de 21 de janeiro de 2011, Processo n.º 1079/09, de 14 de outubro de 1993, Processo n.º 31885 e de 9 de maio de 1995, Processo n.º 35837). Nada justifica, por conseguinte, mesmo à luz do princípio da proporcionalidade (numa dimensão da necessidade), que, em benefício dos interesses funcionais dos serviços, se verifique a suspensão do exercício de funções por efeito de um ato processual penal, quando está na disponibilidade da Administração, inde- pendentemente da prossecução do processo penal e da decisão final que nele venha a ser proferida, decretar uma medida cautelar instrumental de idêntico alcance e pela qual é possível atingir as mesmas finalidades de prevenção geral. Não pode ignorar-se, por outro lado, que a obrigatoriedade do processo disciplinar, que se encontra consagrada na lei (artigos 194.º e 298.º da LGT), deve entender-se como uma das regras ou princípios que caracterizam o estatuto específico da função pública, com assento constitucional e que decorre essencial- mente do disposto nos artigos 269.º e 271.º da Lei Fundamental (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 154/10). Ora, só por via do procedimento disciplinar, em que seja assegurada ao a garantia de audiência e defesa do arguido, é que é possível fazer cessar o vínculo de emprego público por motivo disciplinar, e só nessa sede é admissível a adoção de medidas cautelares que se destinem a proteger, na pendência do procedimento, a capacidade funcional da Administração, e que sempre depende, por aplicação de um princípio de proporcio- nalidade, de um juízo de ponderação da necessidade da medida nas circunstâncias do caso concreto. Tudo leva a concluir no sentido da inconstitucionalidade da norma sub judicio por violação do princí- pio da presunção de inocência do arguido, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, entendido em articulação com o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º, n.º 2, ficando consequentemente prejudicada a apreciação do princípio da igualdade que serviu igualmente de parâmetro para o julgamento feito pelo tribunal recorrido. III – Decisão Termos em que se decide: a) Julgar inconstitucional a norma do artigo 38.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, na parte em que determina a suspensão de funções por efeito do despacho de pronúncia em processo penal por infração a que corresponda pena de prisão superior a três anos, por violação do princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º, n.º 2. b) Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Sem custas.
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