TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

239 acórdão n.º 62/16 Poderá dizer-se que as considerações de índole funcional que, na perspetiva desse Acórdão, podem justi- ficar o afastamento do serviço efetivo em relação ao trabalhador em funções públicas, por efeito da prolação do despacho de pronúncia em processo crime, valem por maioria de razão para os agentes dos serviços e das forças de segurança. Desde logo, porque esses agentes dispõem de um estatuto jurídico-constitucional próprio. O artigo 270.º da Constituição, na redação introduzida pela revisão constitucional de 2001, ainda que inserido no título referente à Administração Pública – o que permite pressupor a sua aplicação a uma categoria de pessoas que se integram ainda no conceito de trabalhadores da Administração Pública –, consagra expressamente, na estrita medida das exigências das suas funções próprias, a possibilidade de a lei estabelecer restrições a alguns direitos, liberdades e garantias, em relação a «militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efetivo», bem como «agentes dos serviços e das forças de segurança», embora com alguma diferença de grau entre estas diferentes categorias. O que tem também reflexo, no que diz respeito ao pessoal policial, no respetivo estatuto profissional, que é caracterizado, não apenas pela restrição a alguns direitos e liberdades, mas também pela sujeição a um conjunto de princípios orientadores e deveres especiais, que justificam o reconhecimento da sua especifici- dade face aos demais trabalhadores da Administração Pública. O que permite compreender que o pessoal policial, para além da sujeição aos deveres gerais aplicáveis aos trabalhadores que exercem funções públicas, se encontre também subordinado a um código deontológico próprio e a estatuto disciplinar especial (artigos 4.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 299/2009, de 14 de outubro). Condicionamentos estes que estão associados naturalmente às atribuições próprias da PSP, entre as quais, se destaca a prevenção da criminalidade em geral e o desenvolvimento de ações de investigação criminal e contraordenacional [artigo 2.º, n.º 2, alíneas c) e e) , da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto]. A medida de suspensão automática de funções, em consequência da emissão do despacho de pronúncia em processo-crime instaurado contra um agente da PSP, pode ser encarada, por isso, como um medida cau- telar destinada a preservar, independentemente de qualquer outra ponderação, a integridade e o prestígio da função policial na sua relação com os cidadãos e o público em geral. Como se assinalou no Acórdão n.º 123/92, o princípio da presunção da inocência do arguido não proíbe a antecipação de certas medidas cautelares e de investigação, e, como no caso do processo disciplinar, a suspensão provisória do exercício de funções. A questão que no caso vertente se coloca é que uma tal medida surja como efeito automático da prola- ção do despacho de pronúncia, sem qualquer ponderação de um juízo de necessidade no contexto do caso concreto. A sujeição do arguido a uma medida, ainda que de natureza cautelar, que se baseie num juízo de probabilidade de futura condenação viola prima facie o princípio da presunção de inocência que se encontra constitucionalmente garantido até à sentença definitiva, pois que é aplicada com o exclusivo fundamento numa presunção de culpabilidade. Por outro lado, não parece que uma tal medida, ainda que encontre a sua razão de ser em considerações de ordem funcional, se mostre justificada à luz do ordenamento jurídico, sendo possível divergir, neste estrito plano, do juízo que genericamente foi formulado no citado Acórdão n.º 439/87. Na verdade, a própria norma do artigo 38.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da PSP, em consonância com o que também dispõe atualmente o regime disciplinar dos trabalhadores em funções públicas (artigo 179.º da LGT), prevê o dever de comunicação do despacho de pronúncia à entidade com competência disciplinar, que poderá com base nos mesmos factos instaurar procedimento disciplinar, e, nesse âmbito, instituir a medida cautelar de suspensão preventiva do arguido sempre que a sua manutenção em funções seja inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade (artigo 74.º, n.º 1). Por outro lado, a possibilidade de aplicação da suspensão preventiva por iniciativa da entidade admi- nistrativa que ordene a instauração do processo disciplinar, ou, no decurso desse processo, por proposta do instrutor (n.º 2) – e ainda que se encontre pendente um processo-crime pelos mesmos factos –, é a necessária

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