TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
238 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pena de prisão, como efeito conatural à própria restrição de liberdade inerente à execução da pena de prisão (artigos 66.º e 67.º do Código Penal). E, sendo assim, só na sequência de uma condenação penal é que a proibição ou a suspensão do exercício de função pode ser tida como uma sanção penal ou como um efeito material de uma sanção penal (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª edição, Universidade Católica, pp. 259 e 261). Ao contrário, a suspensão de exercício de funções como efeito automático da prolação do despacho de pronúncia, como prevê o artigo 38.º do Regulamento Disciplinar da PSP, tem incidência meramente disci- plinar, refletindo-se apenas na relação laboral existente entre a entidade empregadora e o trabalhador. 3. A garantia de audiência e defesa do arguido decorre, para os trabalhadores da Administração Pública, como um elemento central do estatuto da função pública, do disposto no artigo 269.º, n.º 3, da Consti- tuição, mas que a revisão constitucional de 1989 tornou extensiva aos processos de contraordenação e aos demais processos sancionatórios (artigo 32.º, n.º 10). No entanto, da garantia de audiência e defesa não é possível retirar uma extensão ao processo disciplinar da generalidade do regime substantivo em matéria penal. O preceito constitucional apenas releva no plano adjetivo e significa que é inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção disciplinar sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 180/14). Tem-se admitido, em todo o caso, que os princípios da constituição criminal, e especificamente os pre- vistos nos artigos 29.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), apesar de se restringirem no seu teor literal ao direito criminal, devam valer, no essencial, e por analogia, para todos os domínios sancio- natórios: o princípio da legalidade das penas, o princípio da não retroatividade e o princípio da lei mais favo- rável ao arguido e o princípio da culpa (Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 161/95, 227/92, 574/95 e 160/04). A jurisprudência constitucional tem igualmente admitido, em processo disciplinar, o princípio da presunção de inocência do arguido, como decorrência do direito a um processo justo, não apenas na sua vertente probatória, correspondendo à aplicação do princípio in dubio pro reo , pelo qual é à Administração que cabe o ónus da prova dos factos que integram a infração, quer ao nível do próprio estatuto ou condição do arguido em termos de tornar ilegítima a imposição de qualquer ónus ou restrição de direitos que, de qualquer modo, representem e se traduzam numa antecipação da condenação (assim, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 123/92, que julgou inconstitucional a norma que determina, na sequência da prolação do despacho de pronúncia, e durante a suspensão do exercício de funções da mesma decorrente, a perda da totalidade do vencimento). Analisando à luz desse parâmetro de constitucionalidade, a norma do artigo 6.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar de 1984 (que tinha plena correspondência com a norma agora sindicada), o Acórdão do Tribu- nal Constitucional n.º 439/87, pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade, consignando, no essencial, o seguinte: «Mas essa garantia [a presunção de inocência do arguido] não torna ilegítima toda e qualquer suspensão de funções do arguido, que seja funcionário ou agente, aplicada antes do trânsito em julgado da sentença de condena- ção. A própria prisão preventiva é admitida pela Constituição, «pelo tempo e nas condições que a lei determinar», no caso de «flagrante delito» ou «por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena maior»(-). A suspensão só será constitucionalmente ilegítima quando viole o princípio da proporcionalidade, «o qual – como se lê no citado Acórdão n.º 282/86 – encontra afloramento no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição e sempre há de reputar-se como componente essencial do princípio do Estado de direito democrático (cfr. o artigo 2.º)». Ora, fundando-se a suspensão de funções cominada no n.º 1 do artigo 6.º do Estatuto Disciplinar (-) na «defesa do prestígio dos serviços» (-), sendo ela consequência de «despacho de pronúncia em processo de querela com trânsito em julgado» e determinando tal suspensão apenas a suspensão do «vencimento de exercício» – que é constituído por um sexto do vencimento total (-), não se afigura que com ela saia violado o princípio da propor- cionalidade.»
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