TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
234 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL constitucional admitido, em processo disciplinar, o princípio da presunção de inocência do arguido, como decorrência do direito a um processo justo, não apenas na sua vertente probatória, quer ao nível do próprio estatuto ou condição do arguido, em termos de tornar ilegítima a imposição de qualquer ónus ou restrição de direitos que, de qualquer modo, representem e se traduzam numa antecipação da condenação. V – Os agentes dos serviços e das forças de segurança dispõem de um estatuto jurídico-constitucional próprio que consagra expressamente, na estrita medida das exigências das suas funções próprias, a possibilidade de a lei estabelecer restrições a alguns direitos, liberdades e garantias, o que tem também reflexo, no que diz respeito ao pessoal policial, no respetivo estatuto profissional – que é caracterizado, não apenas pela restrição a alguns direitos e liberdades, mas também pela sujeição a um conjunto de princípios orientadores e deveres especiais, que justificam o reconhecimento da sua especificidade face aos demais trabalhadores da Administração Pública –, o que permite compreender que o pessoal policial, para além da sujeição aos deveres gerais aplicáveis aos trabalhadores que exercem funções públicas, se encontre também subordinado a um código deontológico próprio e a estatuto disciplinar especial, condicionamentos estes que estão associados naturalmente às atribuições próprias da PSP, entre as quais, se destaca a prevenção da criminalidade em geral e o desenvolvimento de ações de investigação criminal e contraordenacional. VI – Por isso, a medida de suspensão automática de funções, em consequência da emissão do despacho de pronúncia em processo-crime instaurado contra um agente da PSP, pode ser encarada como um medida cautelar destinada a preservar, independentemente de qualquer outra ponderação, a inte- gridade e o prestígio da função policial na sua relação com os cidadãos e o público em geral; com efeito, o princípio da presunção da inocência do arguido não proíbe a antecipação de certas medi- das cautelares e de investigação, e, como no caso do processo disciplinar, a suspensão provisória do exercício de funções. VII – Porém, a questão que no caso vertente se coloca é que uma tal medida surja como efeito automático da prolação do despacho de pronúncia, sem qualquer ponderação de um juízo de necessidade no con- texto do caso concreto; a sujeição do arguido a uma medida, ainda que de natureza cautelar, que se baseie num juízo de probabilidade de futura condenação viola prima facie o princípio da presunção de inocência que se encontra constitucionalmente garantido até à sentença definitiva, pois que é aplicada com o exclusivo fundamento numa presunção de culpabilidade. VIII– Por outro lado, não parece que uma tal medida, ainda que encontre a sua razão de ser em conside- rações de ordem funcional, se mostre justificada à luz do ordenamento jurídico, nada justificando, mesmo à luz do princípio da proporcionalidade (numa dimensão da necessidade), que, em benefício dos interesses funcionais dos serviços, se verifique a suspensão do exercício de funções por efeito de um ato processual penal, quando está na disponibilidade da Administração, independentemente da prossecução do processo penal e da decisão final que nele venha a ser proferida, decretar uma medida cautelar instrumental de idêntico alcance e pela qual é possível atingir as mesmas finalidades de pre- venção geral. IX – Por outro lado, a obrigatoriedade do processo disciplinar, que se encontra consagrada na lei, deve entender-se como uma das regras ou princípios que caracterizam o estatuto específico da função públi- ca, com assento constitucional; ora, só por via do procedimento disciplinar, em que seja assegurada a
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