TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
227 acórdão n.º 56/16 responsabilidades tão nítida quanto possível – entre o legislador e o juiz”, sublinha que “uma responsabilização total do legislador pelas tarefas de determinação da pena conduziria à existência de penas fixas e, consequente- mente, à violação do princípio da culpa e (eventualmente também) do princípio da igualdade”. Este Tribunal, no seu Acórdão n.º 202/00 (publicado no Diário da República , II série, de 11 de outubro de 2000), debruçou-se sobre a norma constante do artigo 31.º, n.º 10, da Lei n.º 30/86, de 27 de agosto – que mandava aplicar a pena fixa de interdição do direito de caçar por um período de cinco anos àquele que caçasse em zonas de regime cinegético especial em épocas de defeso ou com o emprego de meios não permitidos – e concluiu que a mesma era inconstitucional, por violar os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade. Escreveu-se aí: ‘Deve, pois, reconhecer-se que a cominação, pela norma em análise, de uma pena fixa, de quantum legal- mente determinado sem possibilidade de individualização de acordo com as circunstâncias do caso concreto, não se acha em conformidade com a exigência de que à desigualdade da situação concreta (do facto cometido e das suas “circunstâncias”) corresponda também uma diferenciação da sanção penal que lhe é aplicada, e que esta seja proporcional às circunstâncias relevantes de tal situação concreta. Os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade implicam, na verdade, o juízo de que a cominação de uma pena de interdição do direito de caçar invariável de cinco anos para o ‘crime de caça’ do artigo 31.º, n.º 10, da Lei n.º 30/86 é materialmente inconstitucional.’ […]». E prossegue este Acórdão n.º 95/01, após afastar jurisprudência anterior que não julgou inconstitucio- nal a mesma norma (no caso o Acórdão n.º 83/91): «[…] Decorre, na verdade, dos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade a necessidade de a lei prever penas variáveis: é que, só desse modo o legislador abre ao juiz a possibilidade de graduar a pena, fixando-a entre o mínimo e o máximo que a lei prevê, de acordo com todas as circunstâncias atendíveis (grau de culpa, necessidades de prevenção e demais circunstâncias), por forma a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, em si mesmas, diferentes, e de modo também a evitar o risco de aplicar penas desproporcionadas às infrações cometidas, tendo em consideração todo o quadro que envolveu a prática de cada uma delas. Ou seja: só prevendo o legislador penas variáveis, pode o juiz adequar a pena à culpa do agente, às exigências de prevenção e, bem assim, às demais circunstâncias que ele deve considerar para encontrar, em concreto, a pena ajustada a cada caso. Esse resultado não o pode, com efeito, o juiz atingir, lançando mão do instituto da atenuação especial da pena ou, sendo o caso, do da dispensa de pena, a que faz apelo o Acórdão n.º 83/91 para ver consagrada, na norma sub iudicio , uma pena que, tão-só tendencialmente, é uma pena fixa, e não uma pena rigidamente fixa: é que, desde logo, a atenuação especial da pena pressupõe que a pena (de prisão ou de multa) aplicável ao caso seja variável (cfr. o artigo 73.º do Código Penal); e, depois, supõe a ocorrência de um quadro de circunstâncias com valor forte- mente atenuativo (“quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou necessidade da pena”, diz o n.º 1 do artigo 72.º do mesmo Código). E, quanto à dispensa de pena, também só pode recorrer-se a ela, quando, estando em causa uma infração de pequena gravidade ( recte , uma infração punível com prisão não superior a seis meses, ou só com multa não superior a cento e vinte dias), o juiz verificar que são “diminutas” “a ilicitude do facto e a culpa do agente”; que o “dano” já foi “reparado”; e que “à dispensa de pena” se não opõem “razões de prevenção” (cfr. o artigo 74.º do mesmo Código). Estes mecanismos são, de facto inaptos para – como se escreveu no citado Acórdão n.º 202/00, a propósito da atenuação especial da pena – ‘dar conta da necessária adequação da pena em concreto às circunstâncias a considerar – à culpa do agente e às necessidades de prevenção’.
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