TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
226 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL OTribunal, quando teve que ajuizar uma norma penal à luz do princípio constitucional da proporcionalidade, sublinhou sempre que o legislador goza de ampla liberdade na definição dos crimes e no estabelecimento das penas correspondentes. E sublinhou, bem assim, que, nessa matéria, ele só pode censurar, ratione constitutionis, as decisões legislativas que contenham incriminações arbitrárias ou punições excessivas: é que, no Estado de direito, o legislador está vinculado por conceções de justiça; ora, o princípio de justiça impede-o de atuar arbitrariamente ou de forma excessiva [cfr. neste sentido, entre outros, o citado Acórdão n.º 83/95 e os Acórdãos n. os 634/93 e 480/98 (publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volumes 26.º, página 205, e 40.º, página 507) e 108/99 (publicado no Diário da República , II série, de 1 de janeiro de 1999)]. Em síntese: como sublinha Eduardo Correia ( loc. cit. ), “o ponto de referência de um conceito material de crime supõe sempre que o agente seja merecedor da pena”. E esta ideia – sublinha o mesmo Autor – tem de ser conjugada com a ideia de necessidade social. E citando SAX, acrescenta: “necessidade da pena como o caminho mais humano para proteger certos bens jurídicos. Merecedor da pena como qualidade de alguém que a deva sofrer”. O que se disse resulta, aliás, entre outros, dos seguintes artigos da Constituição: do artigo 1.º, que baseia a República na dignidade da pessoa humana; do artigo 18.º, n.º 2, que condiciona a legitimidade das restrições de direitos à necessidade, adequação e proporcionalidade das mesmas; do artigo 25.º, n.º 1, que sublinha a inviola- bilidade da integridade pessoal; e do artigo 30.º, n.º 1, que proíbe penas ou medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida. 5.2. O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de um Estado de direito, proíbe – já se disse – que se aplique pena sem culpa e, bem assim, que a medida da pena ultrapasse a da culpa. Trata-se de um princípio que emana da Constituição e que, na formulação de José de Sousa e Brito ( loc. cit. , página 199), se deduz da dignidade da pessoa humana, em que se baseia a República (artigo 1.º da Constituição), e do direito de liberdade (artigo 27.º, n.º 1); e, nos dizeres de Jorge de Figueiredo Dias, vai buscar o seu fundamento axio- lógico “ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal: o princípio axiológico mais essencial à ideia do Estado de direito democrático” ( Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, página 73). Pois bem: um direito penal de culpa não é compatível com a existência de penas fixas: de facto, sendo a culpa não apenas princípio fundante da pena, mas também o seu limite, é em função dela (e, obviamente também, das exigências de prevenção) que, em cada caso, se há de encontrar a medida concreta da pena, situada entre o mínimo e o máximo previsto na lei para aquele tipo de comportamento. Ora, prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não pode, na determinação da pena a aplicar ao caso que lhe é submetido, atender ao grau de culpa do agente – é dizer: à intensidade do dolo ou da negligência. A previsão pela lei de uma pena fixa também não permite que o juiz, na determinação concreta da medida da pena, leve em consideração o grau de ilicitude do facto, o modo de execução do mesmo e a gravidade das suas consequências, nem tão-pouco o grau de violação dos deveres impostos ao agente, nem as circunstâncias do caso que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele. Ora, isto pode ter como consequência que o juiz se veja forçado a tratar de modo igual situações que só aparen- temente são iguais, por, essencialmente, acabarem por ser muito diferentes. Ou seja: prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não tem maneira de atender à diferença das várias situações que se lhe apresentam. Mas, o princípio da igualdade – que impõe se dê tratamento igual a situações essencialmente iguais e se trate diferentemente as que forem diferentes – também vincula o juiz. A lei que prevê uma pena fixa pode também conduzir a que o juiz se veja forçado a aplicar uma pena excessiva para a gravidade da infração, assim deixando de observar o princípio da proporcionalidade, que exige que a gravi- dade das sanções criminais seja proporcional à gravidade das infrações. Por isso, a norma legal que preveja uma pena fixa viola o princípio da culpa, que enforma o direito penal, e o princípio da igualdade, que o juiz há de observar na determinação da medida da pena. E pode violar também o princípio da proporcionalidade. E isto é assim, quer a pena que a norma prevê seja uma pena de prisão, quer seja uma pena de multa. Jorge de Figueiredo Dias ( Direito Penal Português, cit., página 193), depois de dizer que decorre da Constitui- ção que a determinação da pena exige cooperação – “mas também, por outro lado, uma separação de tarefas e de
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