TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
225 acórdão n.º 56/16 Contudo, antes de enunciar todos estes princípios enquanto princípios fundantes de qualquer política criminal de um Estado de direito, o Tribunal, no mesmo acórdão, já tinha aludido a um elemento matricial de toda a sua construção, e ao qual atribuiu a designação de princípio da culpa. O sentido atribuído a este princípio vinha em continuidade com o que já fora dito em jurisprudência anterior (desde logo, no Acórdão n.º 16/84). O Tribunal resumiu-o da seguinte forma (Acórdãos, cit., p. 525): ‘O direito penal, no Estado de direito, tem de edificar-se sobre o homem como ser responsável e livre – do homem que, sendo responsável pelos seus atos e responsável pelo estar com os outros, é capaz de se decidir pelo direito ou contra o direito. Há de ser, assim, um direito penal ancorado sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, que tenha a culpa como fundamento e limite da pena, pois não é admissível a pena sem culpa, nem em medida tal que exceda a da culpa.’ Daqui decorreria logicamente a censura constitucional de qualquer norma que previsse uma pena fixa de pri- são, que, precisamente por ser fixa, não poderia nunca modelar-se, na sua aplicação ao caso concreto, em função da culpa do agente. No entanto, alguns anos mais tarde, o Tribunal teve ocasião de se pronunciar expressamente sobre a questão da conformidade constitucional das penas fixas. Fê-lo no Acórdão n.º 95/01, em que estava m juízo «norma» muito próxima – mas não totalmente coincidente – com a que forma o objeto do presente recurso, porque constante do § único do artigo 67.º do Decreto n.º 44.623. […]”. No Acórdão n.º 95/01, o Tribunal julgou inconstitucional a norma constante da parte final do § único do artigo 67.º do Decreto n.º 44623, de 10 de outubro de 1962, tratando-se, na aplicação concreta ao caso daqueles autos, de pena de prisão fixa. Ali se escreveu: “[…] Como este Tribunal sublinhou no Acórdão n.º 83/95 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 30.º, página 521), o direito penal, no Estado de direito, tem de edificar-se sobre o homem como ser pessoal e livre – do homem que, sendo responsável pelos seus atos, é capaz de se decidir pelo Direito ou contra o Direito. Há de ser, por isso, um direito penal ancorado na dignidade da pessoa humana, que tenha a culpa como fundamento e limite da pena, pois não é admissível pena sem culpa, nem em medida tal que exceda a da culpa. Ou seja: há de ser um direito penal de culpa [cfr. sobre isto, embora em termos não inteiramente coincidentes, Jorge de Figueiredo Dias (“Sobre o Estado Atual da Doutrina do Crime”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal , ano I, páginas 28 e seguintes) e José de Sousa e Brito (“A lei penal na Constituição”, in Estudos sobre a Constituição , volume 2.º, Lisboa, 1978, página 218)]. É um direito penal que só pode intervir para a proteção de bens jurídicos, mas de bens jurídicos com dignidade penal (é dizer: com ressonância ética), sendo que a danosidade social capaz de justificar a imposição de uma punição – como adverte Eduardo Correia (“Estudos sobre a reforma do Direito Penal depois de 1974”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119.º, página 6) – há de ser ajuizada no plano ético-jurídico, e não num plano meramente sociológico. O direito penal, enquanto direito de proteção, cumpre, por isso, uma função de ultima ratio , pois só se justifica que intervenha, se a proteção dos bens jurídicos não puder ser assegurada com eficácia mediante o recurso a outras medidas de política social menos violentas e gravosas do que as sanções criminais [cfr. também Jorge de Figueiredo Dias (“O sistema sancionatório no Direito Penal Português”, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia, I, Boletim da Faculdade de Direito, número especial, 1984, página 807) e José de Sousa e Brito ( ob. e loc. cit. )]. A necessidade da pena – que, repete-se, há de ser uma pena de culpa – limita, pois, o âmbito de intervenção do direito penal, sendo mesmo o critério decisivo dessa intervenção (cfr. Eduardo Correia, loc. cit. ) O legislador, que deve observar também um princípio de humanidade na previsão das penas (cfr. artigo 25.º, n. os 1 e 2, da Constituição), há de ainda ter em conta que a ideia de necessidade da pena leva implicada a da sua adequação e proporcionalidade. Ou seja: na previsão das penas, deve ele procurar uma justa medida – uma ade- quada proporção – entre as penas e os factos a que elas se aplicam: a gravidade das penas deve ser proporcional à gravidade das infrações.
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