TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

212 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL decisão em termos de tanto os destinatários desta como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, afrontar a Constituição”». O presente Acórdão, invertendo jurisprudência constante, considerou suficiente para conhecer do recurso o referido “cerne da questão” abordado previamente. Também quanto a este aspeto, a 1.ª Secção deste Tribunal, no presente Acórdão, abandona a jurisprudência estável que se aplicava quanto à verificação deste requisito injustificadamente e sem indicar qual será o critério de ora em diante. Daqui resulta um senti- mento de insegurança jurídica para os recorrentes e recorridos, que perdem qualquer critério firme e rigoroso que lhes permita saber se o recurso vai ou não ser conhecido. 4. Acresce que não existe coincidência entre a norma que o tribunal recorrido aplicou como ratio decidendi e a norma cuja constitucionalidade é questionada pelas recorrentes, o que, além de configurar a falta de mais um pressuposto de conhecimento do recurso, no caso traz ainda as implicações que abordamos de seguida. ii) Não correspondência entre a norma objeto de juízo e a ratio decidendi 5. A questão de constitucionalidade enunciada ao longo dos autos – da forma imperfeita e insuficiente já acima caracterizada, o tal “cerne da questão” –, não corresponde nem ao enunciado “normativo” que o Tribunal Constitucional apreciou no presente Acórdão, nem – o que ainda é mais grave – ao fundamento da decisão recorrida. 5.1. O que o confronto da decisão recorrida com o teor do presente Acórdão evidencia é que na pro- cura de resposta à discutida questão da «legitimidade constitucional da atribuição de uma indemnização (…) num quadro de responsabilidade civil contratual referida a uma situação geralmente designada por wrongful birth » – para usar a caracterização feita no próprio Acórdão (ponto 2.1.2) –, o Tribunal concluiu não ser inconstitucional a «pretensão indemnizatória dos pais de uma criança nascida com uma deficiência congénita, não atempadamente detetada ou relatada aos mesmos em função de um erro médico, a serem ressarcidos (os pais) pelo dano resultante da privação do conhecimento dessa circunstância, no quadro das respetivas opções reprodutivas, quando esse conhecimento ainda apresentava potencialidade para determinar ou modelar essas opções». Atendendo à decisão recorrida, certo é que, diferentemente da tese sustentada pelas recorrentes ao longo dos autos, que colocavam o “cerne da questão” de inconstitucionalidade na desconformidade do estabeleci- mento de uma indemnização por supressão da opção de interromper a gravidez com os artigos 24.º e 67.º da Constituição (vide ponto 1.3. do Acórdão), para o Supremo Tribunal de Justiça o pressuposto determinante da responsabilidade civil médica em apreço reside no nexo de causalidade existente entre a ausência de comu- nicação do resultado de um exame e a deficiência verificada na criança (sem se ignorar que esse conhecimento poderia ter culminado na faculdade dos pais interromperem a gravidez e obstar ao seu nascimento). De todo o modo, repudiando a consideração da vida como um dano, argumento que se apresenta como central na construção da tese em que as recorrentes sustentam a inconstitucionalidade da sua condenação, na base da decisão recorrida está antes a conclusão de que «a comparação, para efeitos de cálculo da compensação, opera não entre o dano da vida, propriamente dito, e a não existência, mas antes entre aquele e o dano da deficiência que essa vida comporta, pelo que o valor negativo é atribuído à vida defeituosa e o valor positivo à vida saudável». A norma em discussão nas instâncias e que veio a ser aplicada na decisão recorrida é, assim, distinta daquela que foi objeto de juízo pelo presente Acórdão. O que constitui, desde logo, mais um motivo para não conhecer do recurso, mas tem de levar à reflexão sobre se todo o labor colocado na elaboração do presente aresto seria em vão, pois não teria consequências no processo concreto objeto da decisão recorrida.

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