TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
208 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL saúde da grávida ou do nascituro, designadamente no sentido de reduzir o número de gravidezes indesejadas; XV – Uma hipótese de gravidez inicialmente desejada relativamente à qual se poderia ter colocado a possi- bilidade de optar por uma interrupção por motivos de malformação do feto em nada se relaciona com a formação esclarecida e informada da vontade de procriar ou com os meios que devem ser colocados à disposição das pessoas em vista do objetivo programático que subjaz ao artigo 67.º, n. os 1 e 2, alínea d), da CRP; XVI – O direito a uma indemnização e a obrigação de indemnizar – no que à tutela constitucional dos direitos respeita – não devem ser olhados de forma desligada das respetivas implicações na tutela dos direitos, seja na perspetiva (positiva) da reparação dos danos como forma de tutela, seja na perspetiva (negativa) da limitação ao exercício de direitos através do vínculo das obrigações. XVII –Num caso ou noutro, a indemnização nunca releva enquanto tal, mas como expressão da tutela con- ferida ou retirada a um direito protegido pela Lei Fundamental. Só podemos afirmar que a atribuição do direito a uma indemnização tem implicações na substância de um direito acolhido na Constitui- ção quando a atribuição ou não atribuição dessa indemnização tiver como efeito a afirmação ou a compressão ou eliminação desse direito; XVIII – Tal conclusão vale no âmbito da responsabilidade extracontratual e pode transpor-se para a respon- sabilidade contratual nos casos em que a violação dos direitos absolutos tem origem no contexto de obrigações negociais incumpridas; XIX – Nas situações descritas, a atribuição de uma indemnização em nada interfere com o direito à vida, não sendo expressão ou negação da sua tutela. Em última análise, está (esteve) apenas em causa o direito dos progenitores se autodeterminarem nas suas opções reprodutivas, dentro do universo de possibilidades lícitas a tal respeito, direito irremediavelmente afetado pela falta de prestação de uma informação adequada por parte dos recorrentes, sendo esta (a informação) contratualmente devida e situando-se a o direito à indemnização, apenas, no quadro da reparação do dano decorrente do incumprimento da prestação devida. III – Decisão 3. Face ao exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucionais os artigos 483.º, 798.º e 799.º do Código Civil, interpretados no sentido de abrangerem, nos termos gerais da responsabilidade civil contratual – no quadro de uma ação designada por nascimento indevido (por referência ao conceito usualmente identificado pela expressão wrongful birth ) –, uma pretensão indemnizatória dos pais de uma criança nascida com uma deficiência congénita, não atempadamente detetada ou relatada aos mesmos em função de um erro médico, a serem ressarcidos (os pais) pelo dano resultante da privação do conhecimento dessa circunstância, no quadro das respetivas opções reprodutivas, quando esse conhecimento ainda apresentava potencialidade para determinar ou modelar essas opções; b) Julgar, em função de tal pronunciamento, improcedente o presente recurso; c) Condenar os recorrentes nas custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 21 unidades de conta, com base na ponderação dos critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma). Lisboa, 2 de fevereiro de 2016. – Teles Pereira – João Pedro Caupers – Maria Lúcia Amaral – Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida de acordo com a declaração junta) – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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