TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
207 acórdão n.º 55/16 ção da existência de um dano conteria, assim, uma espécie de “bomba lógica” que conduziria a uma contradição valorativa insuperável; VII – Já num outro plano, por referência ao caráter inviolável da vida humana, a negação da possibilidade de que um dano possa ser construído com esta base assentaria na recusa de encarar a vida de alguém, mesmo no quadro de uma mera operação intelectual contrafáctica, como um dano; VIII – As reservas sumariadas em “V”, “VI” e “VII” supra foram sendo, progressivamente, afastadas pela doutrina e pela jurisprudência, desvalorizando-se o sentido do paradoxo da não existência, por via da caracterização da realidade em causa nessas ações como substancialmente distinta nos seus pressu- postos da afirmação hipotética contida na formulação do paradoxo. Trata-se, pelo contrário, de fixar uma indemnização, necessariamente fora de qualquer quadro de “reconstituição natural”, por danos atuais imutáveis, sempre atribuída em função de uma efetiva situação de existência e sempre estabe- lecida por referência a desvalores decorrentes das peculiaridades da atividade de médicos agindo no quadro de um diagnóstico pré-natal. Por trás desta posição mais favorável à viabilidade da ação, está a consideração de não se justificar deixar fora da tutela indemnizatória a má-prática médica nestas situações, vistas como correspondentes a obrigações de resultado, e de não ser justo, igualmente, não conferir essa tutela aos destinatários da informação contida nesse tipo de diagnóstico; IX – Nesta outra visão das coisas, favorável à concessão da indemnização, trata-se de sublinhar que esta- mos perante pretensões de compensação indemnizatória por má-prática médica. A circunstância de assentarem, de alguma forma, numa construção contendo algo de paradoxal, pouco ou nada muda nessa essência reparatória de danos sofridos por pessoas determinadas em resultado do desvalor da conduta de outras pessoas; X – Neste conspecto, deve notar-se que, mesmo colocando-se o acento tónico na questão da não existên- cia, prevalece a circunstância de esta se esgotar numa construção intelectual, sem qualquer repercus- são efetiva na existência de alguém, enquanto dado de facto que não sofre alteração alguma com o estabelecimento de uma indemnização em dinheiro; XI – O direito à vida, no contexto do n.º 1 do artigo 24.º da CRP, não exclui, no quadro da afirmação dessa inviolabilidade, que a aferição da existência de um dano envolva uma operação intelectual de cariz contrafactual que identifique, como hipóteses não verificadas, as várias opções que se coloca- riam aos pais de uma criança nascida com uma deficiência congénita, da qual não foram informados durante a gestação, caso essa informação – da qual eram contratualmente credores – lhes tivesse sido fornecida em determinadas circunstâncias de tempo; XII – Assim, esse direito não é afetado pelo ressarcimento dos pais pelo dano resultante da privação do conhecimento de um elemento importante no quadro das respetivas opções reprodutivas, quando o conhecimento dessa circunstância ainda apresentava potencialidade para determinar ou modelar essas mesmas opções; XIII – O artigo 67.º, n.º 2, alínea d) , da CRP não tem qualquer atinência à concreta situação que tem vindo a ser descrita. O direito ao planeamento familiar e à maternidade e paternidade conscientes exige que o Estado se organize em termos que permitam assegurar, através de prestações positivas ( v. g. , a informação ao público ou a criação de serviços de atendimento e acompanhamento dos casais), a formação esclarecida da vontade de procriar. XIV – Embora o exercício “de uma maternidade e paternidade conscientes” acarrete consequências (positi- vas) no fenómeno abortivo, na medida em que quanto mais esclarecida e ponderada é a concretização da vontade de ter um filho, menor é a probabilidade – no universo das pessoas que procriam – de a gravidez ser voluntariamente interrompida, independentemente das razões que fundem a interrup- ção. Todavia, esta asserção nada tem a ver com o fenómeno da interrupção da gravidez em caso de malformações evidenciadas pelo nascituro. A associação entre planeamento familiar e a interrupção da gravidez faz-se por referência a uma interrupção desmotivada, sem relação com perigos para a
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