TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
206 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL possibilidades lícitas a tal respeito, direito este aqui irremediavelmente afetado pela falta de prestação de uma informação adequada por parte dos recorrentes, sendo esta (a informação) contratualmente devida. Existe, pois, a par da falta de densidade constitucional das objeções suscitadas quanto a este tipo de indemnização (por wrongful birth ) – o que só por si conduziria a uma decisão de improcedência do recurso – um respaldo constitucional bastante à tutela indemnizatória concedida aos recorridos com a base conside- rada na decisão recorrida. Esta deve, assim, no que respeita a uma apreciação de conformidade constitucional das normas envolvidas na concessão dessa tutela (entendidas estas como abrangendo a concessão de uma indemnização por wrongful birth ), deve a decisão recorrida, dizíamos, ser confirmada. É o que nos resta expressar decisoriamente. 2.4. Antes, porém, deixamos aqui nota dos traços essenciais do percurso argumentativo seguido ao longo deste Acórdão, através do seguinte sumário: I – Têm sido designados pela doutrina e pela jurisprudência como ações de wrongful birth os processos em que se deduz uma pretensão indemnizatória dos pais de uma criança nascida com uma deficiência congénita, não atempadamente detetada ou relatada aos mesmos em função de um erro médico, a serem ressarcidos (eles os pais) pelo dano resultante da privação do conhecimento dessa circunstância, no quadro das respetivas opções reprodutivas, quando esse conhecimento ainda apresentava poten- cialidade para determinar ou modelar essas mesmas opções; II – Em tais situações a obrigação de indemnizar é gerada num contexto de erro médico relativo a um diagnóstico pré-natal, quando este desvalor da ação, posicionado no quadro da execução de um con- trato de prestação de serviços médicos com a peculiaridade de se referir a esse tipo de diagnóstico, privou os pais do conhecimento de malformações do feto, conduzindo a um nascimento retrospec- tivamente qualificado de indesejado: um nascimento que os pais perspetivam como tal no momento da afirmação da correspondente tutela indemnizatória, por privação da respetiva liberdade de realizar, autónoma e informadamente, as suas escolhas reprodutivas; III – Nas mencionadas circunstâncias, a qualificação do nascimento como “indesejado” traduz-se numa afirmação reportada à caracterização de um facto passado que se tornou num dado imutável do pre- sente e cuja abordagem indemnizatória se esgota na fixação de uma indemnização em dinheiro (vide o artigo 566.º do CC); IV – Não está em causa, neste contexto, qualquer modificação de uma realidade física existencial, tudo se passando no domínio da abstração, relativamente àquilo de que se fala a respeito da “interrupção da gravidez”, esgotada na argumentação em plano hipotético, equacionando algo que poderia ter acon- tecido mas que, efetivamente, não aconteceu. Trata-se de uma operação intelectual de fixação dos pressupostos com base nos quais se determinará qual o comportamento que era devido pelos médi- cos, no sentido da realização de um exame de diagnóstico pré-natal no quadro do relacionamento contratual estabelecido com os pais da criança; V – Não procede, na discussão da viabilidade das ações por wrongful birth , o modelo argumentativo tra- duzido na rejeição da indemnização em virtude de a reposição da situação hipotética que pressuporia a ausência de dano conduzir a algum tipo de afirmação retrospetiva (enquanto correspondência à situação de ausência de dano) da “não existência” do sujeito em função do qual a verificação do dano é afirmada, em virtude da (hipotética e não efetivamente verificada) interrupção da gravidez; VI – Tal construção pode designar-se “problema da não existência” ou como “paradoxo da não existência”, o qual contribuiu para, inicialmente, a jurisprudência rejeitar as atribuições indemnizatórias nas wrongful birth claims , no sentido em que a observância do comportamento lícito teria conduzido os pais, tivessem estes sido informados a tempo da deficiência do filho em gestação, à prática de um aborto e, assim, à supressão da vida em função da qual a indemnização é (depois) pedida. A afirma-
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=