TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

203 acórdão n.º 55/16 gravidez vir a ser voluntariamente interrompida, independentemente das razões que fundem a interrupção. Todavia, esta asserção nada tem a ver com o fenómeno da interrupção da gravidez em caso de malformações evidenciadas pelo nascituro, ocorrência que, aliás, já constituía causa de não punibilidade da interrupção da gravidez muito antes do movimento de despenalização – cfr. artigo 140.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal na redação emergente da Lei n.º 6/84, de 11 de maio. Pelo contrário, a associação entre planeamento familiar e a interrupção da gravidez faz-se, como é evidente, por referência a uma interrupção desmotivada, sem rela- ção com perigos para a saúde da grávida ou do nascituro, designadamente no sentido de reduzir o número de gravidezes indesejadas (cfr., por exemplo, a nota descritiva n.º 351, sobre “planeamento familiar”, da Organização Mundial de Saúde, disponível na página http://www.who.int/ e Carolyn Curtis, Douglas Huber e Tamarah Moss-Knight, “Postabortion Family Planning: Addressing the Cycle of Repeat Unintended Preg- nancy and Abortion”, in International Perspetives on Sexual and Reproductive Health, vol. 36, n.º 1 – março de 2010, disponível em www.guttmacher.org ) . Uma hipótese – como é a dos autos – de uma gravidez desejada relativamente à qual se poderia ter colo- cado a possibilidade de optar por uma interrupção por motivos de malformação do feto em nada se relaciona com a formação esclarecida e informada da vontade de procriar ou com os meios que devem ser colocados à disposição das pessoas em vista do objetivo programático que subjaz ao artigo 67.º, n. os 1 e 2, alínea d), da CRP. 2.3.6. Afastado que está o enquadramento da hipótese dos autos como violação do direito à vida – por, manifestamente, não estar em causa a lesão do bem jurídico protegido pela norma constitucional –, e afas- tada, também, a referência ao artigo 67.º da CRP, há que caracterizar o quadro jurídico-constitucional da obrigação (ou dever) de indemnizar, sendo este o problema fundamental que aqui se coloca. Na verdade, se os recorrentes sustentam que a imposição de uma obrigação de indemnização – sob a forma de uma decisão condenatória – acarreta a aplicação de normas inconstitucionais, tal conclusão não pode ser validada ou afastada sem compreender de que modo (ou modos) a indemnização adquire (ou pode adquirir) relevância face à Constituição. Antes de mais, o direito à indemnização – o mesmo vale para a correspondente obrigação de indemnizar – deve ser visto por referência a um outro direito: aquele cuja reparação se pretende assegurar precisamente pela via indemnizatória. A este respeito, tem o Tribunal reconhecido que o direito à indemnização de danos é uma imposição decorrente do princípio do Estado de direito democrático, consubstanciando, também, uma vertente específica da tutela dos direitos individuais. Assinalou-se, a este propósito, no Acórdão n.º 363/15: «[…] O Tribunal Constitucional tem vindo a reconhecer um direito geral à reparação ou compensação dos danos provenientes de ações e omissões fundado no princípio estruturante do Estado de direito democrático acolhido no artigo 2.º da Constituição (cfr., em especial, os Acórdãos n. os 385/05 e 444/08 […]. Este «direito geral» impõe desde logo que o legislador assegure a respetiva concretização. Como referido no mencionado Acórdão n.º 444/08: «Constituindo missão do Estado de direito democrático a proteção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça, não poderá o legislador ordinário deixar de assegurar o direito à reparação dos danos injustificados que alguém sofra em consequência da conduta de outrem. A tutela jurídica dos bens e interesses dos cidadãos reconhecidos pela ordem jurídica e que foram injustamente lesionados pela ação ou omissão de outrem, necessariamente assegurada por um Estado de direito, exige, nestes casos, a reparação dos danos sofridos, tendo o instituto da responsabilidade civil vindo a desempenhar nessa tarefa um papel primordial». E o mesmo direito não é incompatível com previsões constitucionais específicas de direitos de indemnização, como sucede, por exemplo, nos artigos 22.º, 37.º, n.º 4, 60.º, n.º 1, e 62.º, n.º 2. Em especial no que se refere à responsabilidade direta do Estado e demais entidades públicas consagrada no primeiro daqueles preceitos, tem vindo a entender-se que a caracterização de tal princípio como princípio-garantia ou como garantia institucional

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