TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
202 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «[…] Atribuir aos recorridos uma indemnização por violação do seu direito à autodeterminação, é interpretar o artigo 67.º, n.º 2, alínea d) da Constituição como um instrumento de planeamento familiar. Portanto, apesar do entendimento que os pais devem ter o direito de determinar livre e conscientemente a dimensão da sua família e o escalonamento dos nascimentos, conceder aos pais o direito a uma indemnização por violação do seu direito à autodeterminação, concretamente no que toca ao familiar é resultado de uma má inter- pretação constitucional. Na medida em que, o texto constitucional não autoriza uma interpretação do artigo 67.º, n.º 2, alínea d) , no sentido de que a interrupção da gravidez constitui um instrumento de planeamento familiar ou uma solução imposta pela necessidade de garantir o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes. Pelo contrário, não só tal leitura ignora o sentido do direito à vida consagrado no artigo 24.º n.º 1, como o pro- pósito disposto no artigo 67.º, n.º 2, alínea d) , surgiu, historicamente, como uma solução que pretendia favorecer a adoção de meios e métodos que evitassem práticas abortivas. […]». A norma constitucional em causa prevê o seguinte: «[…] Artigo 67.º (Família) 1 – A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. 2 – Incumbe, designadamente, ao Estado para proteção da família: […] d) Garantir, no respeito da liberdade individual, o direito ao planeamento familiar, promovendo a informa- ção e o acesso aos métodos e aos meios que o assegurem, e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes; […]». Afigura-se razoavelmente linear que esta disposição constitucional não tem qualquer atinência à con- creta situação dos autos. No n.º 2 do artigo 67.º da CRP está em causa, essencialmente, nas palavras de Gomes Canotilho e de Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, cit. p. 864): «[…] [U]m «direito social», em sentido próprio, traduzido essencialmente em direito a prestações públicas, a concre- tizar por lei, [valendo também] face à «sociedade», ou seja, face aos particulares, em especial as entidades emprega- doras, nos termos das leis concretizadoras deste direito […]. […]». O direito ao planeamento familiar e à maternidade e paternidade conscientes – que leva implicitamente pressuposto o direito “[…] a ter filhos de acordo com os projetos pessoais de cada um (cfr. artigo 36.º-1)” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, idem ) – exige, antes de mais, que o Estado se organize em termos que permitam assegurar, através de prestações positivas ( v. g ., a informação ao público ou a criação de serviços de atendimento e acompanhamento dos casais), a formação esclarecida da vontade de procriar. Como é evidente, o exercício “de uma maternidade e paternidade conscientes” acarreta consequências (positivas) quanto a esta problemática, na medida em que quanto mais esclarecida e ponderada é a concreti- zação da vontade de ter um filho, menor é a probabilidade – no universo das pessoas que procriam – de uma
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=