TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

200 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Aceitando a indemnização no caso de wrongful birth , e também em situações qualificadas como wrongful life , refere a este respeito Paulo Mota Pinto: «[…] [T]endemos a admitir a concessão de uma indemnização aos pais, pelos seus danos patrimoniais (designada- mente, o ‘dano do planeamento familiar’ resultante do não cumprimento de um contrato) ou não patrimoniais em resultado do nascimento da criança indesejada, salvo, no caso dos danos não patrimoniais, quando se alegasse como seu fundamento tão-só o nascimento de uma criança saudável. E cremos, por outro lado, que, nos casos de nasci- mento de uma criança com uma deficiência, deve também aceitar-se o ressarcimento da própria criança, pelas suas necessidades acrescidas e até por danos não patrimoniais. Isto, embora possa discutir-se, como fez o STJ [refere-se o Autor ao Acórdão já mencionado de 19 de junho de 2001], se este pedido deve poder ser deduzido pelos pais, enquanto a criança for menor, pelo menos nos casos em que ela, provavelmente, não necessitará do suprimento de uma incapacidade por toda a vida. […] [A] negação de uma indemnização com fundamento na inadmissibilidade de uma bitola ‘contrafactual’, ou hipotética, a que aquela criança que formula a pretensão possa recorrer, quase envolve, nos resultados a que chega (que são evidentemente o teste decisivo), como que uma renovada afirmação da ofensa que lhe foi feita: não só a criança nasceu com uma grave deficiência, como, na medida em que não teria podido existir de outro modo, é-lhe vedado sequer comparar-se a uma pessoa ‘normal’, para o efeito de obter uma reparação pelo erro médico. Ora, mesmo que individualmente não fosse possível o nascimento daquela criança sem deficiência, é óbvio que existe um padrão contrafactual de comparação – o da pessoa sem malformações e regularmente funcional –, e, para evitar o referido resultado, é a ele que há que recorrer. […]» [“Indemnização em caso de ‘nascimento indevido’ e de ‘vida indevida’ (‘ wrongful birth ’ e ‘ wrongful life ’)”, cit., pp.927/928 e 934]. 2.3.4. O desvalor aqui apontado pelos recorrentes à atribuição de uma indemnização por wrongful birth – é desta, tão-somente, que trata o presente recurso – convoca, como antes dissemos, enquanto valor constitucional que os recorrentes afirmam ser colocado em causa, o caráter inviolável da vida humana, por referência à norma do texto constitucional contendo esta afirmação: «[…] Artigo 24.º Direito à vida 1 – A vida humana é inviolável. […].» O sentido em que tal inviolabilidade seria colocada em causa já foi suficientemente caracterizado ao longo deste Acórdão, sublinhando-se o caráter virtual dessa construção (expressa no paradoxo da não-exis- tência), no sentido de ela aparecer – e de se esgotar – na formulação de uma hipótese contrafactual no quadro da caracterização das consequências do incumprimento do objetivo precípuo de um ato médico (do contrato que o pressupõe) com as peculiares características técnicas de um diagnóstico pré-natal, no sentido em que este se traduz no assumir, pelo médico, de uma obrigação de resultado. É com este sentido que se afirma que o paradoxo da não existência neste tipo de ações pode ser descartado, sendo estas conceptualizadas “[…] mais em termos dos danos atuais causados a quem está vivo, pela negligência de outros, do que em termos da condição imaginada em que estaria o demandante se a conduta negligente não tivesse ocorrido” (F. Allan Hanson, “Suits for Wrongful Life Counterfactuals…”, cit., p. 3). Seja como for, mesmo colocando-se o

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