TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
20 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 7.º Diferentemente, as normas excecionais aqui contestadas surgiram em contraciclo: precisamente quando a justificação para a imposição sucessiva de medidas de sacrifício diminuiu, por força da cessação da vigência do PAEF, o regime previsto agrava-se, chegando à ablação total de direitos, afastando vias alternativas de partilha de sacrifícios para redução da despesa pública. A modalidade e o grau de sacrifício impostos não têm assim justificação, à luz de um critério de necessidade, e assumem recorte desproporcionado, violando o princípio da proporcionalidade. 8.º Assinale-se ainda que – assimetricamente, acentuando a desigualdade de tratamento e a despro- porção – o OE2015 manteve intactos regimes estatutários de ex-titulares de altos cargos públicos, cuja revisão, de forma integrada, teria plena justificação, designadamente nas áreas da supervisão e regulação bancária e financeira. 9.º Importa ter presente que o artigo 50.º da CRP estabelece que ninguém pode ser prejudicado na sua atividade e carreira profissional ou nos seus direitos sociais, em razão do exercício de cargo político. De harmonia com Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito a não ser prejudicado pelo exercício de cargos públicos «implica a garantia de dimensões prestacionais e estatutárias e, consequentemente, proibição da lesão das posições juridicamente alicerçadas (benefícios sociais, segurança social, progressão na carreira, antiguidade) (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra, 2007, p. 677). 10.º Entendem ainda aqueles autores que, podendo a lei reestruturar o estatuto dos cargos públicos (por motivos vários, como a necessidade de reforma do sistema, a modernização da administração ou a austeridade financeira), as medidas legais retrospetivamente limitativas devem, contudo, obedecer às exigências das leis restritivas, estabelecidas no n.º 2 do artigo 18.º da CRP. 11.º Ora, é inevitável que a cessação (ou interrupção) das respetivas atividades profissionais, em razão do exercício de cargos políticos, obriga, com frequência, à deslocação prolongada para fora dos centros da vida familiar e profissional, não podendo deixar de afetar a carreira e a atividade de quem assume tais (en)cargos. 12.º Importa ter presente que a subvenção mensal vitalícia pretendeu, também, dar alguma resposta à preocupação que a CRP expressa no seu artigo 50.º, no sentido de atenuar os inevitáveis efeitos negativos que, em especial ao tempo em que foi instituída, se faziam sentir de forma significativa relativamente aos ex-titulares dos cargos públicos por ela abrangidos, preocupação que foi reafir- mada com o regime transitório adotado pelo artigo 8.º da Lei n.º 52-A/2005, renovando e conso- lidando os direitos adquiridos e as expectativas legítimas. 13.º A subvenção em causa foi tida em conta no processo de ponderação das alternativas de vida que se colocavam aos seus destinatários, condicionando opções diversas, nomeadamente por reformas antecipadas e outras situações consumadas de boa fé, na base da mais legítima crença no Estado de direito, não sendo possível aos sujeitos abrangidos recolocarem-se hoje num passado alternativo, para agirem sem contar com ela. 14.º A supressão radical desta subvenção não põe em causa apenas a medida: destrói retroativamente a causa da lei que a atribuiu, a superior ideia de que o serviço público é uma via paralela e meritória, que afasta os que o prestam do exercício e natural progressão nas suas carreiras profissionais, conse- quência essa que o Estado decidiu, em conformidade com a Constituição, atenuar. 15.º Na verdade, o artigo 80.º da Lei do OE2015, ao determinar a suspensão da subvenção mensal vitalícia com tão grande amplitude, põe totalmente em causa – e faz tábua rasa – dos pressupostos e do quadro legal em que assentou, ao tempo, o exercício, livremente assumido, dos cargos públicos e políticos a que estava associada, contradizendo o regime transitório salvaguardado pelo artigo 8.º da Lei n.º 52-A/2005 e violando os princípios e regras constitucionais que o legislador havia, avisada e coerentemente, acautelado.
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