TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

199 acórdão n.º 55/16 Legislação e de Jurisprudência, 134.º Ano, 2001/2002, n.º 3933, pp. 371/384) –, aludindo a esta decisão do Supremo Tribunal de 2001, acrescenta António Menezes Cordeiro: […] Atribuir uma indemnização à criança… por esta ter nascido equivaleria a considerar a sua vida (atual e, por- ventura, deficiente) como dano, sendo que a alternativa apontaria não para uma vida ‘normal’, mas para a não- -vida. Pedir-se-ia ao Direito que considerasse a morte preferível à vida deficiente, o que é de todo impossível, por contraditoriedade a qualquer sistema jurídico civilizado. Já a pretensão por deficiente diagnóstico – e, portanto, por mau cumprimento do contrato de prestação de serviço médico – parece razoável, independentemente de, daí, poder resultar o aborto: as pretensões da criança e as dos pais não são, claramente, homogéneas. Os casos de ‘vida indesejada’ já haviam sido discutidos nos Estados Unidos, tendo, aí, soluções semelhantes às encontradas pelo BGH alemão e pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça [refere-se ao Acórdão de 19 de junho de 2001 acima referido, também disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f0 03fa814/a58b8e01db0db488802577a80046c040?OpenDocument ]. Parece patente que a dificuldade por eles colocada resulta de uma contradição absoluta de valorações: a de se considerar eliminável a vida do nascituro deficiente e intocável a vida do recém-nascido que se encontre nessas mesmas condições. Daí que se revele tecnicamente impossível considerar a vida (extrauterina) como um dano, para efeito de penalizar a não-‘interrupção’ da vida intrauterina. A não incriminação do denominado aborto eugénico não permite progredir, uma vez que, ela própria, entra em contradita com a forte incriminação do infanticídio, mesmo quando se trate de uma vítima deficiente. A intocabilidade da vida do recém-nascido conduzirá, assim, a que este não possa demandar o médico… por estar vivo. Simplesmente este raciocínio, a ser coerentemente mantido, vai vitimar, também, as pretensões dos pais. Sendo a vida do filho inviolável, como podem ser indemnizados por ele estar vivo? Todavia, é evidente que o médico que, por negligência (ou, até, dolo!) falseie um diagnóstico pré-natal, vedando a alternativa, efetivamente existente na generalidade dos Direitos do Ocidente, de um aborto eugénico, não cumpre o seu contrato, devendo ser civilmente sancionado. Temos de reconhecer, com humildade, que as contradições de valores pré e pós-natais tornam impossível uma solução científica e sistematicamente conforme. Procurar uma saída na relativização do próprio ser humano não é dogmaticamente possível nem eticamente imaginável. A solução está noutra latitude: o alargamento dos escopos de responsabilidade civil e a tutela da confiança na execução dos contratos levam-nos a propender para um direito dos pais a uma indemnização, por violação do contrato e do dever de informar. Em termos de valoração material, poderemos considerar que o médico se torna coresponsável pelo produto da (in)execução do contrato. […]» ( Tratado de Direito Civil Português, I, tomo III, cit., pp. 288/289, sublinhado acrescentado). No mesmo sentido aponta Fernando Araújo (referindo-se embora, especificamente, a erros no quadro da aplicação de técnicas de procriação assistida): «[…] [P]ese embora as designações pomposas (e algo absurdas) de «nascimento indevido» e de «vida indevida», o que está fundamentalmente em causa é uma questão de justiça com forte incidência económica, que se centra na legi- timação de interrogações sobre a eventualidade de ficar impune uma conduta que negligentemente causa despesas extraordinárias a outrem – no sentido de causar danos físicos que requerem tratamentos especiais –, ou sobre a pos- sibilidade de, contra a regra jurídica comum, se admitir a irresponsabilidade de médicos e cientistas num domínio onde o potencial de dano é tão vasto, e as consequências individuais podem ser tão onerosas como permanentes. Postas as questões nestes termos […] vemos como a solução se integra facilmente nos quadros tradicionais da responsabilidade civil, nos quais o Direito se preza de dispor de preceitos sedimentados e consagrados há milénios. […]» ( A Procriação Assistida e o Problema da Santidade da Vida, Coimbra, 1999, p. 100).

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