TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

198 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL opções reprodutivas dos pais da criança, entretanto nascida, privando-os do conhecimento de dados impor- tantes, aptos a modelar essas opções em conformidade com o Direito, num quadro temporal pretérito em que existia a possibilidade de (ainda) serem consideradas diversas opções a esse respeito, designadamente a de pôr termo à gravidez. Esta possibilidade – e estamos tão-somente a indicar um dado de facto objetivo: o exato enquadramento legal da situação em 26 de novembro de 2004, às 21 semanas e um dia de gestação, existindo motivos seguros para prever que o nascituro viria a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita, ecograficamente comprovada [artigo 142.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na redação da Lei n.º 90/97, de 30 de julho] –, esta possibilidade, dizíamos, vale aqui como indicação do que não deixaria de integrar uma atuação lícita dos pais quanto à modelação das suas opções reprodutivas, face às diversas possibilidades de escolha que, então, se lhes apresentavam, dentro de uma panóplia de comporta- mentos não censurados pelo Direito. Afirmar a liberdade das pessoas, reconhecer a sua autonomia decisória e de atuação num quadro não censurado pelo Direito, não pode deixar de considerar como situação apta a gerar um dever de indemnizar a interferência de terceiros, em desconformidade com o ordenamento jurídico, com essa liberdade e autonomia. A este respeito, sublinhamos a interrogação através da qual António Menezes Cordeiro introduz a con- sideração deste problema: «[…] O próprio nascimento poderá […] ser considerado um dano? […]». E acrescenta este Autor, enfatizando a complexidade de que se reveste a procura de uma resposta: «[…] [N]a hipótese de erro médico de que resulte uma gravidez não programada, há lugar a uma indemnização reparatória. Não deixa de haver dano pelo facto de, em consequência do erro, ter surgido um nascituro com direito à vida e, por maioria de razão, uma criança com a plenitude das posições reconhecidas ao ser humano. Foi celebrado um contrato de prestação de serviço médico. Por força desse contrato, a interessada adquiriu o direito a um aconselhamento capaz e competente e, sendo esse o caso, a tratamentos adequados. Quando o con- trato seja deficientemente cumprido, ela tem direito a todas as demais despesas assim ocasionadas, despesas essas que não são compensáveis com o gosto que, afinal, até possa ter por acolher mais um filho. Noutro prisma: admitir que certos contratos de prestação de serviço médico pudessem ser desleixadamente cumpridos a pretexto de que, daí, ‘apenas’ resultaria uma criança é inadmissível: seria premiar a irresponsabilidade e o enriquecimento ilícito, uma vez que o médico é pago pelos seus serviços. […] Evidentemente: nestes casos de falhas de planeamento familiar, quem não terá razão de queixa será o próprio nascituro. A questão poderá pôr-se de modo diverso se este for um deficiente e se a falha médica tiver consistido na má realização do diagnóstico pré-natal. Tal diagnóstico permitiria, designadamente e por hipótese, pôr cobro à gravidez, integrando uma situação na qual o aborto se encontra despenalizado. […]» ( Tratado de Direito Civil Português, I, tomo III, Coimbra, 2004, pp. 282/283). Recordando este Autor o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de junho de 2001 – que entre nós constituiu a primeira decisão do Supremo Tribunal que apreciou uma pretensão indemnizatória por wrongful life , equacionando em paralelo a atendibilidade da indemnização por wrongful birth , rejeitando a primeira situação e aceitando a segunda (este Acórdão, referindo-se a uma situação de erro médico pratica- mente igual ao aqui em causa, está publicado, com uma anotação de António Pinto Monteiro, na Revista de

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