TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

197 acórdão n.º 55/16 o pressuposto da pretensão ressarcitória’; e – acrescentamos nós – a existência da criança é um dado que não pode estar em causa, para efeitos da sua legitimidade” ( idem ). 2.3.2. 1. Aliás, os argumentos esgrimidos no sentido do afastamento deste paradoxo não assentam em fundamentos substancialmente distintos do raciocínio que possibilita afirmar a ressarcibilidade do dano morte, enquanto dano da própria vítima, distinto dos danos daqueles (fundamentalmente os familiares) que também foram afetados por essa morte. Com efeito, assente que o comportamento desvalioso do médico, nas situações designadas como wrongful birth (a que aqui concretamente se coloca), é suscetível de gerar um dano que poderemos considerar evidenciado pela existência de uma pessoa em determinadas condições, é possível fazer descaso de muito do sentido do paradoxo da não existência, valendo aqui, por relevante iden- tidade de razão, as observações de António Menezes Cordeiro a respeito do caráter artificial das construções que pretendem excluir a indemnização por dano morte, por esta envolver o fim da existência do titular do direito a ser ressarcido: «[…] [D]eve ficar bem claro que a solução […] tem de ser procurada através de uma interpretação valorativa e não de um esquema aparentado à jurisprudência dos conceitos. A questão de saber se o dano-morte é, ou não, indem- nizável não pode ficar dependente de lucubrações teóricas, assentes em exercícios silogísticos formais […]. […]» ( Tratado de Direito Civil Português, II, tomo III, cit., p. 521; no mesmo sentido, cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 4.ª edição, Coimbra, 2005, pp. 321/322). Recordemos, a este propósito, o exato contexto do aparecimento das designações wrongful life e wrongful birth , em pronunciamentos judiciais norte-americanos na década de sessenta do século passado (cfr. item 2., supra ). Com efeito, tratou-se em tais casos de descrever, metaforicamente, que a pretensão indemnizatória na qual se vislumbrou uma base paradoxal – estar vivo e pressupor-se a morte como a ausência do dano –, funcionava como uma espécie de antítese da wrongful death , que, todavia, colocaria um problema metodolo- gicamente semelhante ao da atribuição do tipo de indemnização que se qualifica, entre nós, como dano morte (vide Edward J. Kionka, Torts, 4.ª edição, St. Paul, Minnesota, 2005, pp. 417/418), sendo que na common law a “regra” a tal respeito, que se associa à reafirmação do brocardo “ actio personalis moritur cum persona ”, excluía a consideração como dano indemnizável da própria morte de alguém [o que foi estabelecido como precedente por Lord Ellenborough, na decisão Baker versus Bolton ( King’s Bench ) de 1808 (“ in a civil court, the death of a human being could not be complained of as an injury ”, cfr. Edward J. Kionka, Torts, cit., pp. 413 e 418); daí que nos sistemas de common law este tipo de indemnização assente, invariavelmente, em opções legislativas expressas, não no estabelecimento de qualquer precedente, ibidem , pp. 413 e 419/420]. O jogo metafórico de designações – wrongful birth/wrongful death – procurou, assim, explicitar a negação de uma pretensão indem- nizatória por esta ser vista como encerrando um paradoxo conceptual com algum paralelismo ao que existiria na wrongful death , ou seja, na consideração indemnizatório do dano morte. É assim que observamos uma base argumentativa com aspetos comuns no afastamento das objeções lógicas à consideração do chamado dano morte e do paradoxo da não existência a respeito da indemnização por wrongful birth . Trata-se de sublinhar o caráter conceptualista do paradoxo, quando encarado como obstáculo inultrapassável, e de afirmar a existência, nestas situações, de razões de justiça depondo no sentido do acolhimento, no quadro da responsabilidade civil, da ressarcibilidade de danos cuja construção apresente, todavia, algum elemento paradoxal. 2.3.3. Centrando-nos agora na situação que nos ocupa, a indemnização por wrongful birth – sublinha- mos sempre ser esta a situação aqui em causa e que, por isso, só a conformidade constitucional dessa indem- nização decidiremos aqui –, importa dar conta das posições que, convergindo com o sentido da decisão do Supremo Tribunal de Justiça ora recorrida, não excluem a consideração de uma indemnização, a cargo do médico responsável por um erro no diagnóstico pré-natal, quando este erro interferiu relevantemente com as

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