TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

195 acórdão n.º 55/16 (tivessem eles sido confrontados nessas circunstâncias temporais com o comportamento lícito do médico), à prática de um aborto e, assim, à supressão da vida em função da qual a indemnização é (agora) pedida. Ora, a construção que permite a afirmação da existência de um dano nestas condições conteria – é o que dentro deste argumentário se pretende afirmar – uma espécie de “bomba lógica”, um oximoro argumentativo, sendo a situação identificada como “contradição performativa”: uma “[…] autocontradição […], pela qual de certa forma se põe em causa retroactivamente a base sobre a qual assenta a possibilidade de invocação da pretensão de informação [aqui a pretensão indemnizatória]” [Claus-Wilhelm Canaris, Direitos Fundamentais e Direito Privado, Coimbra, 2003, p. 96, nota 207 – tenha-se presente referir-se o Autor no trecho acabado de trans- crever à pretensão do filho de conhecer a identidade do pai, na inseminação artificial em que o dador tenha sido anónimo: “[n]o atual estado do direito dos alimentos e das sucessões, o dador razoável só se declarará […] pronto para a doação se for garantido em princípio o seu anonimato. Este constitui, assim, de facto, verdadeiramente uma condição de possibilidade de que o filho possa de todo chegar a viver, e não pode, pois, a meu ver, ser intensamente prejudicado, ou, mesmo, inteiramente posto em causa, por uma pretensão geral de informação sobre identidade do dador” ( ibidem , p. 96); note-se que este Autor estende esta ideia de “con- tradição performativa” à pretensão indemnizatório do filho por wrongful life , ibidem , pp. 96/97, nota 208] . Já num outro plano, por referência ao caráter inviolável da vida humana – sendo este o plano que dire- tamente interessa a este acórdão – a negação da possibilidade de que um dano possa ser construído com esta base, assentaria na recusa de encarar a vida de alguém, mesmo no quadro de uma mera operação intelectual contrafáctica, como um dano. 2.3.2. Entre nós, é este ponto de vista claramente sustentado por Manuel Carneiro da Frada (precisa- mente o Autor citado pelos recorrentes): «[…] São especialmente discutidos os casos em que uma criança gravemente deficiente (representada pelos seus pais) aciona o médico que assistiu a mãe durante a gravidez, pretendendo que o médico omitiu aos pais a informação acerca da sua deficiência e, com isso, impediu a mãe da realização de um aborto da sua pessoa. É certo que o médico não se apresenta responsável pela implantação da deficiência, que surge normalmente logo desde o início da vida pré-natal. No entanto, a omissão do esclarecimento sobre essa deficiência é tida como ilícita. O comportamento alternativo lícito do médico teria evitado o nascimento e, deste modo, a vida gravemente deficiente. A vida (ou o nascimento) é aqui considerada um dano, o que se exprime nas fórmulas conhecidas wrongful life e wrongful birth . […]» (“A Própria Vida como Dano? Dimensões Civis e Constitucionais de uma Questão-Limite”, in Forjar o Direito, Coimbra, 2015, p. 254). E acrescenta este Autor, fundando a rejeição de uma indemnização com este fundamento a cargo do médico (referida, é certo, diretamente às situações de ação por wrongful life , nos termos acima caracterizados): «[…] Porque é que haveria de permitir-se que alguém prescindisse (embora mentalmente) da sua própria vida, levando a sério o seu desejo alegado de não viver (e esquecendo, contrafacticamente, a convicção empírica da força do instinto de conservação)? Tal ocorreria, no final de contas, a expensas de terceiros – do médico ou da mãe, que de repente teriam de suportar as consequências dessa inexigibilidade e, assim, da (simples) disposição virtual da própria vida pelo sujeito. […]» ( ibidem, p. 266).

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