TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

194 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL por wrongful life . Referimo-nos à óbvia circunstância de não estar em causa, neste contexto, qualquer modi- ficação de uma realidade física existencial, digamo-lo assim, pretendendo sublinhar que neste contexto tudo se passa no domínio da abstração, relativamente àquilo de que se fala a respeito da “interrupção da gravidez”. Trata-se neste caso, tão-somente, de argumentar num plano hipotético, equacionando algo que poderia ter acontecido mas que, efetivamente, não aconteceu – que provavelmente até aconteceria face a um quadro factual pretérito, agora só configurado como hipótese contrafactual. Tudo se encerra, pois, quanto ao estabe- lecimento de uma indemnização por wrongful birth , na realização de uma operação intelectual de fixação dos pressupostos com base nos quais, depois, aí sim encarando o que realmente aconteceu, se determinará qual o comportamento que era devido pelos recorrentes enquanto médicos, no sentido do comportamento que lhes era exigível a propósito da realização de um exame de diagnóstico pré-natal no quadro do relacionamento contratual estabelecido com os recorridos. Este raciocínio, que é, na alusão à possibilidade de uma interrupção da gravidez, de natureza puramente contrafactual, limita-se a convocar determinadas premissas que encerram/contêm as informações essenciais que servem de base à resolução de um problema prático com incidência jurídica. E este – o problema que aqui se coloca – resume-se a determinar qual teria sido o comportamento adequado dos recorrentes (médi- cos), no quadro da realização de um exame médico de diagnóstico pré-natal contratado com os recorridos, e se a omissão desse comportamento devido por parte daqueles determinou a estes últimos (aos recorridos) um dano, relativamente ao qual devam ser indemnizados pelos recorrentes, em função da qualificação desvaliosa da respetiva performance contratual como incumprimento ou cumprimento defeituoso. Ou seja, valendo como dano, em sentido jurídico, “[…] a supressão ou diminuição de uma situação favorável, reconhecida ou protegida pelo Direito” (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, tomo III, Coim- bra, 2010, p. 511), trata-se aqui de detetar a existência deste elemento relativamente aos autores e, alcançada uma resposta positiva, de referir um dever de indemnizar aos réus ora recorrentes. Estes utilizam a tal respeito, na procura de um fundamento de inconstitucionalidade quanto à afirma- ção desse dever de indemnizar, um argumento – trata-se, em bom rigor, mais propriamente de um modelo argumentativo – que é habitual na abordagem de problemas deste tipo, traduzido na rejeição da construção de um fundamento indemnizatório em que a reposição da situação hipotética que pressuporia a ausência de dano – a operação intelectual, que é indicada no artigo 562.º do CC, de reconstituição da situação que exis- tiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – conduzisse, ou pudesse conduzir, embora sempre como hipótese contrafactual, a algum tipo de afirmação retrospetiva (enquanto correspondência à situação de ausência de dano) da “não existência” do sujeito passivo do dever de indemnizar (no caso de wrongful life ), ou daquele em função do qual a verificação desse dano é afirmada (no caso, que é o que aqui se coloca, de wrongful birth ). Decorreria essa afirmação projetiva, e puramente virtual, de “não existência” de alguém da configuração hipotética do comportamento dos pais desse alguém, face ao comportamento devido por banda do médico a respeito do diagnóstico pré-natal, como envolvendo – teria envolvido preteri- tamente, tivesse sido correta a informação então prestada aos pais – a prática de uma interrupção voluntária da gravidez. Daí que a “afirmação” da existência de um sujeito resultante da pretensão de obter uma tutela indemnizatória, chocasse, nesta visão das coisas, com a operação intelectual de determinação desse dano ao conter esta, implicitamente, a afirmação de uma “não existência” desse sujeito como correspondendo à ausência de dano. Esta questão é habitualmente referida, neste exato contexto, como “problema da não existência”, ou como “paradoxo da não existência” (cfr. F. Allan Hanson, “ Suits for wrongful life, counterfactuals, and the nonexistence problem ”, in Southern California Interdisciplinary Law Journal 5:1-24, 1996, texto disponível em: https://kuscholarworks.ku.edu/bitstream/handle/1808/4273/SoCalInterdisLJ.pdf?sequence=1&isAllowed=y) . A rejeição de uma atribuição indemnizatória nas chamadas wrongful birth claims, com fundamento na afir- mação do caráter inultrapassável deste paradoxo, hipotisa a consequência do que poderia ser o “comporta- mento lícito alternativo” à situação geradora do dano, no sentido em que a observância desse comporta- mento teria conduzido os pais, tivessem estes sido informados a tempo da deficiência do filho em gestação

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