TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
193 acórdão n.º 55/16 Está em causa, pois, simplificando algo as coisas, uma indagação, sob a forma de recurso de constitucio- nalidade fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, quanto à conformidade constitucional, face aos artigos 24.º, n.º 1 e 67.º, n.º 2, alínea d), da CRP, do enquadramento normativo conferido, na lei civil substantiva, à atribuição de uma indemnização no quadro de uma wrongful birth claim (ação por nascimento indevido). Interessa precisar a diferenciação deste tipo de ação (por wrongful birth ) das chamadas wrongful life claims (esta última situação foi aqui afastada logo na primeira das decisões do Tribunal de Barcelos, cfr. item 1.2., supra ), nas quais é o próprio menor portador da deficiência que figura como demandante do médico que falhou o diagnóstico atempado das suas próprias malformações, ou a informação de um diag- nóstico correto aos seus pais, quanto à existência de deficiências. Como indica Paulo Mota Pinto, “[…] nas hipótese ditas de ‘vida indevida’ ( wrongful life ), é […] interposta uma ação com fundamento no facto de ter nascido uma criança indesejada – designadamente, nascida com uma grave deficiência –, mas a ação é interposta pela própria criança em causa, que vem pedir uma indemnização por ter nascido” [“ Indemnização em caso de ‘nascimento indevido’ e de ‘vida indevida’ (…)” , cit. , p. 916; cfr. Thomas A. Burns, “ When life is a injury… ”, cit. , p. 807]. Trata-se aqui, pois, de uma situação de wrongful birth – não de wrongful life – sendo esse, e só esse, o objeto de apreciação deste Tribunal. Traduziu-se o pronunciamento decisório ora recorrido numa parcial procedência da pretensão indem- nizatória dos autores (dos pais do menor) relativamente às rés, por via da afirmação do direito daqueles (dos pais) a serem indemnizados, num quadro de responsabilidade civil contratual, estando em causa uma obrigação de resultado e não uma obrigação de meios (foi nestes termos qualificada a situação pelo Supremo Tribunal de Justiça, cfr. o acórdão ora recorrido, entre outros, no trecho expositivo de fls. 785/787), pela situação decorrente de um erro médico atribuído às rés. Consistiu tal erro na não prestação aos autores de uma informação correta (traduziu-se, logo, na prestação de uma informação incorreta) quanto ao “resultado positivo” de um exame ecográfico, realizado em vista de um diagnóstico pré-natal. Este exame revelava, na sua correta interpretação, a existência de malformações no feto (convencionamos designar aqui como “resul- tado positivo”, precisamente, a existência dessas malformações, considerando como “resultado negativo” o que revelasse a inexistência de malformações). O elemento tempo referido à correção da informação prestada aos pais quanto ao diagnóstico pré-natal resultante desse exame médico (uma ecografia morfológica realizada às 21 semanas de gestação, que foi peri- cialmente qualificada em julgamento como erro de diagnóstico), é relevante no sentido em que a transmissão aos pais, então, de uma informação correta quanto à existência dessas malformações no feto, teria propiciado àqueles equacionar – e é tão-somente isso (equacionar) o que aqui está em causa – uma interrupção volun- tária de gravidez, a qual seria legalmente possível até às 24 semanas de gestação [cfr. o artigo 142.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do Código Penal, na redação neste introduzida pela Lei n.º 90/97, de 30 de julho, em vigor ao tempo da realização da segunda ecografia]. 2.3. Como vimos, a questão de constitucionalidade foi construída pelos recorrentes no decurso do processo, rectius , após a prolação de uma primeira condenação destes no Tribunal de Comarca, com base no entendimento deste tipo de indemnização dita por wrongful birth , como implicando a ofensa das nor- mas constantes do artigo 24.º, n.º 1, e 67.º, n.º 2, alínea d), da Constituição. Por via destas referências ao texto constitucional pretendem os recorrentes introduzir a questão da interrupção voluntária da gravidez, enquanto fator de ponderação da viabilidade legal de uma indemnização deste tipo, em termos de associar o estabelecimento dos pressupostos de um dever de indemnizar assim construído à discussão do problema do aborto relativamente ao caráter inviolável da vida humana. É exatamente neste contexto que aparecem, no argumentário dos recorrentes, as referências ao artigo 24.º, n.º 1, da CRP e mesmo ao artigo 67.º, n.º 2, alínea d), da CRP (desta feita por afirmação da exclusão do aborto do âmbito do planeamento familiar). 2.3.1. Uma primeira nota para sublinhar o que constitui uma evidência decorrente dos factos em causa neste processo e em todas as situações de indemnização por wrongful birth e (embora não seja este o caso)
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