TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
192 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Paulo Mota Pinto, “Indemnização em caso de ‘nascimento indevido’ e de ‘vida indevida’ (‘ wrongful birth ’ e ‘ wrongful life ’)”, in Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais. Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, Coimbra, 2007, pp. 917/918; Fernando Araújo, A Procria- ção Assistida e o Problema da Santidade da Vida, Coimbra, 1999, p. 96]. Estamos, assim, tanto com a expressão wrongful birth como com a expressão wrongful life , perante metáforas criadas por associação de ideias e com um propósito simplificador. Trata-se, fundamentalmente, do que se designa como “[…] «metáforas heurísticas», ou seja, aqueles «deslizamentos semânticos» capazes de atrair o espírito para novas formas de perceção e de entendimento dos fenómenos (não autorizados por interpretações literais)” (Fernando Araújo, A Tragédia dos Baldios e Anti-Baldios, Coimbra, 2008, p. 9). Falamos aqui em wrongful birth , pois, da mesma forma que antes o fizeram as instâncias e o Supremo Tribunal de Justiça, pressupondo um conceito sobejamente referenciado e discutido na Jurisprudência e na Doutrina, estrangeira e nacional, através do qual se indica o tipo de ação/pretensão indemnizatória que acima caracterizámos, ou seja, a ação intentada pelos pais (não pela própria criança portadora da deficiência), na qual “[…] releva o facto de o evento lesivo ter conduzido a um nascimento indesejado [, em que] há um nascimento em resultado de uma situação de wrongful conception , ou, sendo a conceção desejada [ – como aqui sucedeu – ], verificou-se um nascimento na sequência de um erro médico […] que retirou à mãe a oportunidade de tomar uma decisão informada e tempestiva sobre a continuação ou a interrupção da gravi- dez, afirmando os demandantes que, se não fosse o evento lesivo, a criança nunca teria nascido” (Paulo Mota Pinto, “Indemnização em caso de ‘nascimento indevido’ e de ‘vida indevida’…”, cit., p. 916, sublinhado ausente no original). Recordamos que, por via da decisão do Supremo Tribunal de Justiça aqui impugnada, foi expressamente repristinada a Sentença de primeira instância, de 20 de novembro de 2013 (a de fls. 450/461v.º, que carac- terizámos supra no item 1.2.3.), sendo os ora recorrentes condenados, solidariamente, a satisfazer aos pais do menor C., ou seja, a cada um dos autores, a título de indemnização por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 496.º, n. os 1 e 4 do CC, a quantia de € 35 000. Adicionalmente, como indemnização referida a danos patrimoniais dos mesmos autores (dos pais do menor), foi atribuído a estes na decisão repristinada um valor a liquidar ulteriormente, nos termos dos artigos 661.º, n.º 2 e 378.º a 380.º-A do CPC anterior, res- peitante a despesas com a substituição (até à maioridade) de próteses das quais o menor carecerá, em função das malformações congénitas que apresenta. Como pano de fundo destas atribuições indemnizatórias temos a aceitação pelo Supremo Tribunal de Justiça, confirmando o entendimento da primeira instância – e afastando o entendimento da segunda ins- tância –, de uma pretensão indemnizatória assente no mencionado conceito de wrongful birth . Este foi feito corresponder, face às incidências do caso concreto, às normas substantivas que alicerçaram a afirmação deste tipo de dever de indemnizar, num quadro que foi caracterizado como de responsabilidade contratual e foi especificamente referido aos artigos 483.º, 798.º e 799.º do CC. Nestas situações, como já antes referimos neste texto, a obrigação de indemnizar é gerada num contexto de erro médico (qualificado este como má- -prática médica) relativo a um diagnóstico pré-natal, quando o desvalor da ação, na execução de um contrato de prestação de serviços médicos com a peculiaridade de se referir a um diagnóstico deste tipo, privou os pais (os credores da atividade médica objeto desse contrato) do conhecimento de malformações do feto, condu- zindo a um nascimento retrospectivamente qualificado de indesejado; um nascimento que os pais perspeti- vam como tal no momento da afirmação da correspondente tutela indemnizatória, por privação da respetiva liberdade de realizar, autónoma e informadamente, as suas escolhas reprodutivas (seguimos aqui a caracteri- zação da essência de uma ação por wrongful birth , por Erin Nelson, Law, Policy and Reproductive Autonomy, cit., p. 230). Retemos aqui o uso do adjetivo “qualificado” – … nascimento retrospectivamente qualificado de indesejado pelos pais… –, expressando o exato contexto de uma afirmação reportada à caracterização de um facto passado que se tornou num dado imutável do presente e cuja abordagem indemnizatória se esgota na fixação de uma indemnização em dinheiro (vide o artigo 566.º do CC).
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