TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

191 acórdão n.º 55/16 Com efeito, estando em causa no processo a fixação de uma indemnização num quadro de responsabi- lidade civil contratual referida a uma situação geralmente designada como wrongful birth , correspondendo a questão discutida à legitimidade constitucional da atribuição de uma indemnização desse tipo, observamos ter o Supremo Tribunal de Justiça (a decisão recorrida) fixado a cargo dos recorrentes, precisamente, uma indemnização com essa base. Por outro lado, a construção dos pressupostos jurídicos de tal indemnização assentou na aplicação de normas: assentou nas normas gerais respeitantes à responsabilidade civil contratual, entendendo estas como abrangendo a situação-conceito identificada, com clara vocação de generalidade, ao longo do processo (desde a primeira decisão de primeira instância) como indemnização pelo médico aos pais da criança porta- dora de malformações congénitas numa situação habitualmente identificada como wrongful birth , fazendo corresponder esse conceito (geral) ao objeto da tutela indemnizatória aqui concedida, nos termos gerais da responsabilidade civil por ato médico, no quadro de um contrato de prestação de serviços médicos visando um diagnóstico pré-natal. Lembramos que este Tribunal aceita um conceito funcional de norma para efeitos de acesso à sua jurisdição, concretamente em sede de fiscalização concreta. Trata-se – e utilizamos aqui os termos do recente Acórdão n.º 684/15 – do que usualmente é referido na jurisprudência do Tribunal, desde o Acórdão n.º 55/85, como “a norma em determinada interpretação”, respeitando esta ao específico sentido interpretativo que na decisão recorrida tenha sido conferido a uma concreta norma ou bloco de normas, sempre que tal sentido possa ser destacado do próprio ato de julgamento, como “[…] critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente gené- rica […]” (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, 2010, p. 32). É o que sucede – e é o que aqui sucede – quando determinadas nor- mas entendidas compaginadamente são feitas corresponder a um conceito geral identificado e caracterizado na Doutrina e na Jurisprudência. Finalmente, controlando a verificação do pressuposto referido no trecho final da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (suscitação da inconstitucionalidade durante o processo), diremos que os ora recorrentes identificaram o cerne da questão que agora nos defronta nas alegações de direito apresentadas a culminar o segundo julgamento realizado em primeira instância (assinalámos esse momento no item 1.2.2.1. supra ), estruturaram esse problema expressamente como “questão de constitucionalidade” na motivação da segunda apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães (cfr. item 1.3. e 1.3.1 supra ) e, enfim, tendo obtido ganho de causa nessa impugnação na Relação (cfr. item 1.4. supra ), não deixaram de renovar esse argumento de inconstitucionalidade nas contra-alegações (ocupavam aí a posição de recorridas) que dirigiram ao Supremo Tribunal de Justiça no contexto da revista que viria a originar a decisão ora recorrida. Vale isto por dizer que os recorrentes efetivamente suscitaram uma questão de inconstitucionalidade normativa (precisamente a que agora colocam ao Tribunal Constitucional), mantendo-a sempre operante ao longo do processo, até ao exato contexto processual – e é este que aqui interessa – que originou o acórdão objeto do presente recurso de constitucionalidade. Mostram-se, assim, plenamente integrados os pressupostos do recurso de constitucionalidade interposto pelos recorrentes, com a delimitação acima assinalada neste Acórdão ( itens 2.1 e 2.1.1). Resta-nos, pois, apreciá-lo. 2.2. Conforme já referimos, utilizamos aqui a expressão-conceito original em língua inglesa, wrongful birth , que vem sendo adotada para designar uma pretensão indemnizatória deste tipo (a dirigida pelos pais contra o médico responsável pelo errado diagnóstico pré-natal). Reconhece-se que a expressão, tal como sucede com wrongful life , não é particularmente feliz e que a tradução para “nascimento indevido” (“vida indevida”, no segundo caso) não a melhora. Trata-se, em qualquer dos casos, de designação excessiva no seu significado semântico imediatamente apreensível, relativamente ao que verdadeiramente está em causa neste contexto: que é, fundamentalmente, um problema de responsabilidade civil indemnizatória, de alcance bem mais restrito que o sugerido pela “força” literal implícita em expressões indiscutivelmente “malsonantes” [cfr.

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