TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
190 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não terem produzido alegações quanto à dita questão de constitucionalidade de incidência processual que inicialmente haviam referido aos artigos 615.º, n.º 1, alínea d), e 674.º, n.º 3, do CPC, interpretados, conforme também haviam indicado, no sentido de não constituir alteração da decisão sobre a matéria de facto a circunstância de o Supremo Tribunal de Justiça, no quadro de um recurso de revista, considerar que determinada factualidade poderia ou não ser declarada como provada. Lembramos ter sido este sentido interpretativo que o despacho de fls. 875/876 assinalou como não correspondendo a qualquer ratio decidendi da decisão impugnada (porque entendeu o ora relator que o que estava em causa nesse elemento da decisão do Supremo Tribunal era um problema de alocação do ónus da prova aos recorrentes e a decisão, face a um non liquet, com base numa “regra de decisão” formada em função da atribuição daquele ónus aos réus: estes deveriam provar certo facto, jogando contra eles a não prova do mesmo, como resulta da chamada “teoria das normas”, com respaldo nos artigos 342.º e segs. do CC). Seja como for, devemos concluir ter ocorrido aqui, por banda dos recorrentes, um abandono desta ques- tão no desenvolvimento do recurso, já na fase de alegações, sendo essa delimitação temática pelos recorrentes relevante na fixação do objeto final da respetiva impugnação, nos termos resultantes do artigo 635.º, n.º 4, do CPC – “[n]as conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto ini- cial do recurso” –, disposição aqui aplicável ex vi do disposto no artigo 69.º da LTC. Este abandono restringiu, pois, a indagação de conformidade constitucional agora colocada ao Tribu- nal Constitucional à questão da tutela indemnizatória concedida aos pais do menor (aos aqui recorridos), com base na consideração de uma situação que as instâncias e o Supremo Tribunal de Justiça assumiram corresponder à atribuição de uma indemnização por wrongful birth , sendo esta referida ao enquadramento normativo indicado no despacho de fls. 875/876, a saber: a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 24.º, n.º 1 e 67.º, n.º 2, alínea d), da CRP, dos artigos 483.º, 798.º e 799.º do CC, interpretados estes no sentido de constituir dano indemnizável, nos termos gerais da responsabilidade civil, a vida com deficiência e a ausência da possibilidade de escolha pela interrupção voluntária da gravidez, por violação do direito à informação relativa a exame médico, que permitiria uma decisão esclarecida dos progenitores no sentido do prosseguimento ou não prosseguimento da gravidez, em virtude da efetiva verificação de malformações graves do feto, no âmbito de uma ação por nascimento indevido ( wrongful birth action ). 2.1.1. Assim se caracteriza, em termos gerais, o sentido do presente recurso. Note-se que esta caracte- rização (a que foi sinalizada aos recorrentes e aos recorridos a fls. 875/876) é totalmente congruente com a indicada supra no item 2. (trecho sublinhado), podendo expressar-se, recorrendo a esta última, o objeto temático colocado à apreciação deste Tribunal nos termos seguintes: a (invocada) desconformidade consti- tucional dos artigos 483.º, 798.º e 799.º do CC, interpretados no sentido de abrangerem, nos termos gerais da responsabilidade civil contratual – no quadro de uma ação designada por nascimento indevido (por refe- rência ao conceito usualmente identificado pela expressão wrongful birth ) –, uma pretensão indemnizatória dos pais de uma criança nascida com uma deficiência congénita, não atempadamente detetada ou relatada aos mesmos em função de um erro médico, a serem ressarcidos (os pais) pelo dano resultante da privação do conhecimento dessa circunstância, no quadro das respetivas opções reprodutivas, quando esse conhecimento ainda apresentava potencialidade para determinar ou modelar essas opções. 2.1.2. A este respeito, ainda num quadro preambular, controlando a presença no caso dos pressupostos de um recurso de constitucionalidade fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (isto em vista da afirmação dos recorridos, nas contra-alegações, quanto à não integração desses pressupostos), diremos (i) corresponder a construção do objeto (subsistente) do recurso aqui apresentada no final do item antecedente à efetiva ratio decidendi do acórdão recorrido, (ii) estar em causa uma dimensão interpretativa com caráter normativo, (iii) e ter a questão sido suscitada, como questão de inconstitucionalidade, pelos recorrentes, no decurso do processo em momento relevante, em concreto anteriormente à decisão recorrida.
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