TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
188 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 16. E se conclui que ‘…se o médico executa ou interpreta mal um diagnóstico pré-natal produz um resultado negativo falso, concluindo-se a gravidez que a mãe teria podido interromper, podendo, então, dizer-se que a con- duta culposa do médico foi a causa do nascimento com a deficiência que não foi diagnosticada’. 17. Sobre o dano, e embora o mesmo já tenha sido vastamente assinalado como existente, mais uma vez a decisão recorrida fundamenta de forma inequívoca e inatacável a sua existência, quando refere: “E sendo o dano a vida com deficiência e a ausência da possibilidade de escolha pela interrupção voluntária da gravidez, em virtude da violação direito à informação, e não a criança, em si mesma, que dela padece, admitindo-se o aborto, em caso de deficiência grave do feto, como decorre do preceituado pelo artigo 142.º, n.º 1, alínea c) , do Código Penal, mal se compreenderia que os pais se vissem privados dessa opção…’. 18. Por fim, deve ainda assinalar-se, não obstante a maioria dos contratos de prestação de serviços médicos veicular uma obrigação de meios, a realização de exames laboratoriais, e de radiologia, como são as ecografias, constituem uma exceção na área das Ciências Médicas, sendo reconhecidas como obrigações de resultado. 19. Daí que, a fundamentação da decisão recorrida também neste ponto se afigura como inatacável, quando se diz com toda a pertinência: ‘Ora, a realização de exames laboratoriais, com o consequente diagnóstico, consti- tui uma obrigação de resultado, tratando-se mesmo de um exemplo clássico de uma típica obrigação médica de resultado, porquanto, atendendo ao elevado grau de especialização alcançado pelos exames laboratoriais, em que a margem de incerteza e a aleatoriedade é muito reduzida, praticamente, nula, o âmbito concedido ao erro é limitado e a verificação do resultado, altamente, provável, razão pela qual sobre aquele que analisa os resultados recai, tam- bém, uma obrigação de resultado, pelo que se o médico ecografista ‘fornece ao cliente um resultado cientificamente errado, então, temos de concluir que atuou culposamente, porquanto o resultado transmitido apenas se deve a erros de análise’, com ressalva, como é óbvio, da fiabilidade do próprio exame, o que se não demonstrou, mas cuja percentagem de exatidão é de cerca de 90 a 95%’. 20. A decisão recorrida, tal como as duas decisões da primeira instância, confirmaram a existência de todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual, e aplicaram o disposto nos artigos 483.º, 798.º e 799.º do CC, sem qualquer violação do artigo 24.º da CRP. 21. Assim, não se vislumbra quaisquer inconstitucionalidades nas decisões citadas, em especial no Acórdão ora recorrido. Termos em que A) Deve ser rejeitado o presente recurso, por inadmissível, uma vez que não cumpre os requisitos proces- sualmente exigidos, nomeadamente porque nunca os recorrentes haviam suscitado quaisquer questões de inconstitucionalidades. Sem prescindir, B) Devem ser rejeitadas as inconstitucionalidades apontadas à interpretação dada no Acórdão recorrido aos artigos 483.º, 789.º e 799.º do CC, por manifesta falta de fundamento. […]». II – Fundamentação 2. Relatámos até aqui o desenrolar do processo desde a propositura da ação até à prolação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 2015, constante de fls. 759/807. Tal decisão, consubs- tanciando o pronunciamento final desta causa na jurisdição comum, na qual percorreu os três graus hierár- quicos, constitui o objeto processual do recurso de constitucionalidade, configurando-se este como questão incidental culminante do julgamento respeitante à pretensão indemnizatória formulada pelos autores na ação. Assim, em função do pedido – e depois dos recortes subjetivos que este sofreu em primeira instância, com a exclusão de alguns dos réus iniciais e a não aceitação do pedido formulado pelos autores em nome do próprio menor (o que retirou à ação a natureza de wrongful life ) –, em função do pedido e destas incidências,
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