TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

185 acórdão n.º 55/16 22.º – Apesar de serem evidentes as dificuldades colocadas pela posição original que o direito à vida ocupa entre os demais direito, o facto de o direito à vida se apresentar em regras como um direito de tudo ou nada – no sentido de que não são concebíveis ataques parcelares à vida sem perda dessa mesma vida –, e o facto de o nosso Código Penal abrir a sua parte especial com os crimes contra a vida é revelador, de maneira clara e inequívoca, de que o bem ou valor jurídico-penal mais fortemente protegido é o da vida humana. 23.º – Numa matéria cujas implicações ultrapassam largamente o mundo do Direito, espraiando-se pelos domínios da Ética, da Moral, da Religião, da Filosofia e da Medicina, “o primeiro problema suscitado pela positi- vação do direito à vida é o da delimitação do âmbito temporal de proteção constitucional da própria vida humana. Trata-se, portanto, de definir o terminus a quo do próprio direito à vida. No que toca ao momento inicial – deci- sivo, desde logo, para efeito do tratamento jurídico a conceder à interrupção voluntária da gravidez (como importa para o caso em análise) –, há quem faça coincidir o início do direito à vida com o momento da conceção…’. 24.º – Por conseguinte, só a cedência a um formalismo construtivo, cego perante a necessidade de tutela con- creta dos bens jurídicos singulares pode justificar que instituir a possibilidade de aborto sem necessidade da menor justificação constitui ainda uma forma de concordância prática entre a vida intrauterina e os projetos de vida autonomamente definidos pela mãe. Decerto ninguém negará que a proteção da vida intrauterina, com rejeição do aborto a pedido, pode implicar o nascimento de crianças não desejadas, nalguns casos perturbadores dos planos de futuro consistentemente delineados, mas que significado pode isso ter perante a convicção de que “qualquer ser humano é sempre um fim em si mesmo, e não um instrumento para satisfação dos desejos dos seus progenitores’. 25.º – Desta forma, apesar da despenalização da interrupção voluntária da gravidez nos casos e dentro dos pra- zos expressamente previstos, não deve ser descuidado a intenção do legislador constitucional ao pretender garantir uma adequada proteção da vida. 26.º – «A responsabilidade civil é normalmente invocada como forma de proteção da vida e da sua qualidade contra lesões físicas», Ora no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, foi atribuída aos recorridos uma indemnização com base num facto totalmente indeterminável e casuístico, ou seja, se teriam abortado caso sou- besse das malformações congénitas. 27.º – Por este prisma a vida é encarada, desde logo, como um dano, para além de que, verifica-se a ausência completa dos pressupostos da obrigação de indemnizar: dano (em sentido jurídico), de uma ilicitude, de culpa, e de um nexo causal. 28.º – No caso de se entender que os médicos podem ser responsabilizados por uma qualquer deficiência abriria o precedente a que fossem também responsabilizados os pais, pois na verdade estes é que estão na origem da vida dos filhos. 29.º – Em boa verdade, se um filho é concebido com uma malformação congénita, ainda que por lapso médico, a indemnização deve ser sempre proporcionada ao papel efetivo do médico na produção do resultado do dano. Ora, a responsabilidade dos réus, médicos, pela deficiência nunca poderá ser equiparada à responsabilidade dos autores, pais, pela vida. 30.º – Do explanado resulta que, a responsabilidade pela deficiência não pode afirmar-se no facto da não infor- mação em prol do aborto, pois, a única conduta que teria evitado essa deficiência era a eliminação da vida que é suporte da indemnização desse dano. 31.º – Atribuir aos recorridos uma indemnização por violação do seu direito à autodeterminação, é interpretar o artigo 67.º, n.º 2, alínea d) da Constituição como um instrumento de planeamento familiar. 32.º – Apesar do entendimento que os pais devem ter o direito de determinarem livre e conscientemente a dimensão da sua família e o escalonamento dos nascimentos, conceder aos pais o direito a uma indemnização por violação do seu direito à autodeterminação, concretamente no que toca ao familiar é resultado de uma má inter- pretação constitucional. 33.º – Na medida em que, o texto constitucional não autoriza em “uma interpretação do artigo 67.º, n.º 2, alínea d) , no sentido de que a interrupção da gravidez constitui um instrumento de planeamento familiar ou uma solução imposta pela necessidade de garantir o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes.

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