TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
180 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O erro médico só não corresponde a uma atuação culposa se, em razão da insignificância do ato, se entender que não houve um desvio em relação ao padrão médico de atuação, pois que, em caso contrário, o erro médico pressupõe uma conduta culposa, por parte do clínico, ou seja, o erro de diagnóstico só ocorrerá com a ignorância indesculpável ou o esquecimento das mais elementares regras profissionais, que se revelem de modo evidente. No fundo, a possibilidade de previsão de resultados pelo agente, mesmo daqueles que decorrem da falta da sua antevisão individual, segundo as suas aptidões pessoais, define o limite da culpa e, em consequência, da responsa- bilidade. O dever de informação sobre o prognóstico, diagnóstico e riscos envolventes faz parte dos denominados «deve- res laterais do contrato médico», e o não cumprimento pelo médico dos deveres de cuidado e proteção a que está obrigado pode ser causa de responsabilidade contratual. V. 8. Muito embora não exista, no ordenamento jurídico nacional, por parte dos progenitores, qualquer dever jurídico de proceder ao aborto de nascituro deficiente, não é a vida que é tida como um dano, em si mesmo, o dano da vida, propriamente dito, mas antes a deficiência da vida, isto é, o dano da deficiência que essa vida comporta. E se o «direito a não nascer» se refere a um hipotético direito do embrião uterino a ver interrompida a sua gestação, mediante a interrupção voluntária da gravidez, nem, por isso, o aborto constitui um poder-dever dos respetivos progenitores. V. 9. De acordo com o disposto pelo artigo 563.º, do CC, ‘a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão’. A comparação, para efeitos de cálculo da compensação, opera não entre a existência e a não existência, mas antes entre a situação em que a criança acaba por nascer e aquela que aconteceria se não fosse a lesão, ou seja, entre a existência de uma pessoa, dita ‘normal’, e a existência de uma pessoa com malformações, pelo que o valor negativo é atribuído à vida defeituosa e o valor positivo à vida saudável. […] Porém, muito embora a malformação não tenha sido causada pelo médico, o certo é que a sua atividade, quando desenvolvida segundo as leges artis , poderia ter evitado o nascimento com aquela deficiência congénita, o que permite consubstanciar um nexo de causalidade suficiente, um nexo de causalidade, ainda que indireto, entre a vida portadora de deficiência e a correspondente omissão de informação do médico por essa situação, ainda que outros fatores tenham para ela concorrido, isto é, quando o facto não produz, ele mesmo, o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste. Esta relação de causalidade indireta ou mediata, entre o facto e o dano, é compatível com a intervenção, mesmo de permeio, de outros fatores, sejam fatores naturais, sejam factos praticados pelo lesado, desde que estes fatores, também, se possam considerar induzidos pelo facto inicial, segundo um juízo de probabilidade. E sendo o dano a vida com deficiência e a ausência da possibilidade de escolha pela interrupção voluntária da gravidez, em virtude da violação do direito à informação, e não a criança, em si mesma, que dela padece, admi- tindo-se o aborto, em caso de deficiência grave do feto, como decorre do preceituado pelo artigo 142.º, n.º 1, c) , do Código Penal, mal se compreenderia que os pais se vissem privados dessa opção. […] Seria, assim, num quadro de prognose razoável, para efeito de sustentar a não punibilidade da interrupção da gravidez, de defender que a doença se afigurava grave, não já por não permitir a sobrevivência ao nascer, mas antes por não ser de conjeturar um normal desenvolvimento da autonomia do C., sem um suporte médico continuado das funções vitais. Aliás, a falta de informação faz funcionar, a favor do credor da mesma, a presunção de que este se teria com- portado de forma adequada, ou seja, no caso, que os pais teriam optado por abortar, caso soubessem da deficiência do filho. […] V. 10. Verificado o nexo de causalidade adequada, os danos sobrevindos, tal como vêm alegados pelos auto- res, relacionam-se com os danos não patrimoniais, por se verem confrontados com as malformações do menor, apenas, no momento do nascimento, e com os danos patrimoniais relativos à deficiência, em virtude de o C. ser,
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