TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
179 acórdão n.º 55/16 aleatoriedade é muito reduzida, praticamente, nula, ‘o âmbito concedido ao erro é limitado’ e a verificação do resultado, altamente, provável, razão pela qual sobre aquele que analisa os resultados destes exames recai, também, uma obrigação de resultado, pelo que se o médico ecografista ‘fornece ao cliente um resultado cientificamente errado, então, temos de concluir que atuou culposamente, porquanto o resultado transmitido apenas se deve a erros de análise’, com ressalva, como é óbvio, da falibilidade do próprio exame, o que se não demonstrou, mas cuja percentagem de exatidão é de cerca de 90 a 95%. […] V. 6. Regressando ao caso em análise, impõe-se referir que a alegada falta médica residiu na omissão de todos os conhecimentos, diligências e cuidados para dar a conhecer aos autores a condição do filho, porque foram mal interpretados os exames e porque não foi comunicado aos pais o seu resultado, incumprindo os réus os deveres de informação, em desrespeito pelas legis artis medicinae , acabando por causar um dano aos autores, uma vez que a sua adesão ao prosseguimento da gravidez não foi consequente a um consentimento esclarecido, dotado de todas as informações relevantes. Esta conclusão não é sequer abalada pelo facto de a comunicação da informação omitida não conduzir à cura do nascituro, mas, apenas, à possibilidade do seu não nascimento, e isto porque, a partir do momento em que a lei consagra, dentro de certos condicionalismos, a interrupção voluntária da gravidez de um feto com anomalias graves, está a admitir que uma vida, nestas condições, pressupõe um dano, o qual não reside na vida em si, mas nas anomalias de que a mesma pode ser portadora. […] Ficou provado, neste particular, que as deformidades descritas no ponto 4, ou seja, a deficiência transversa do punho, mão e pé esquerdo, a deficiência longitudinal do pé direito e a sindactilia da mão direita, eram detetáveis numa ecografia realizada às 12 semanas de gestação, sendo certo, não obstante, que, em nenhum dos relatórios das ecografias realizadas, designadamente, no relatório respeitante à ecografia efetuada às vinte e uma semanas e um dia de gestação, vem referido que foram visualizados os dedos de qualquer dos quatro membros, antes sempre tendo sido dito pelos réus que realizaram as ecografias que o feto era perfeito e que o bebé estava com excelente saúde. Com efeito, a verificação da existência de malformações, ao nível das mãos e dos pés, é o verdadeiro objetivo da ecografia que se realiza às 20 semanas, sendo certo que as malformações em causa foram provocadas pelo sín- droma de bandas amnióticas que se formam na gestação, as quais não foram detetadas nas ecografias, assim como as deformidades que provocaram. Deste modo, pelo menos, na ecografia efetuada às vinte e uma semanas e um dia de gestação, eram detetáveis as malformações evidenciadas que o síndroma de bandas amnióticas que se formam na gestação e que as provocaram, por, também, não haverem sido visionadas, não obstaram à sua perceção. Assim sendo, contrariamente ao que afirmam os réus, e com o muito devido respeito, não só as deformidades já existiam, à data da realização das ecografias feitas pela ré Dr.ª D., e eram visíveis ou percecionáveis por esta, como ainda poderiam e deveriam ter sido observadas pela mesma. […] V. 7. Com efeito, a previsibilidade de um evento não se confunde com a aptidão causal ou idoneidade para a sua produção, que se trata de realidades distintas, relevando esta para efeito do nexo de causalidade, e a primeira para efeito de culpa, porquanto se o médico que atuou com violação das legis artis não previu o resultado danoso da sua conduta, por descuido ou negligência, a mesma é-lhe imputada, a título de culpa. A culpa exprime um juízo de reprovabilidade da conduta do agente, que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade deste, que devia e podia atuar de outro modo, usando todos os conhecimentos, diligências e cuidados que a profissão, necessariamente, impõe e que teriam permitido dar a conhecer aos pais as malformações do filho. Ora, sendo o erro um equívoco no juízo e não se encontrando o médico dotado do dom da infalibilidade, o erro de diagnóstico será imputável, juridicamente, ao médico, a título de culpa, quando ocorreu com descuido das mais elementares regras profissionais, ou, mais, precisamente, quando aconteceu um comportamento inexcusável em que o erro se formou.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=