TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

176 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL […] 21.º – Portanto, apesar de alguns entenderem que os pais devem ter o direito de determinarem ‘livre e cons- cientemente a dimensão da sua família e o escalonamento dos nascimentos’, conceder aos pais o direito a uma indemnização por violação do seu direito à autodeterminação, concretamente no que toca ao familiar é resultado de uma má interpretação constitucional. 22.º – Na medida em que, o texto constitucional não autoriza ‘uma interpretação do artigo 67.º, n.º 2, alínea d) , no sentido de que a interrupção da gravidez constitui um instrumento de planeamento familiar ou uma solução imposta pela necessidade de garantir o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes. Pelo contrário, não só tal leitura ignora o sentido do direito à vida consagrado no artigo 24.º, n.º 1 como o propósito disposto no artigo 67.º, n.º 2, alínea d) , surgiu, historicamente, como uma solução que pretendia favorecer a adoção de meios e métodos que evitassem práticas abortivas’. 23.º – Por outro lado ‘a responsabilidade civil é normalmente invocada como forma de proteção da vida e da sua qualidade contra lesões físicas’. Ora, na presente demanda foi estabelecida urna indemnização com base num facto totalmente indeterminável e casuístico, ou seja, se teria abortado caso soubesse das malformações congénitas. 24.º – Por este prisma, a vida é encarada, desde logo, como um dano, para além de que se verifica a ausência completa dos pressupostos da obrigação de indemnizar: dano (em sentido jurídico), de uma ilicitude, de culpa e de um nexo causal. 25.º – Portanto, a conduta do médico apenas seria suficiente para fundar uma pretensão indemnizatória nal- guma medida em que a sua conduta implicasse casualmente na produção de um dano. Por outras palavras, quando a sua conduta merecesse a desaprovação do Direito. 26.º – Deste modo, não podemos confundir dano com necessidade, apesar da necessidade se dever à deficiência «A criança deficiente tem certamente necessidade de assistência, mas não experimentou propriamente um dano (em sentido jurídico-normativo). Por isso, deve ser ajudada, não através do direito da responsabilidade civil, mas através dos meios assistenciais, de caráter solidário-distributivo, da segurança social, da segurança social estatal. A sua proteção deve ser efetiva. Todavia, a função do direito da responsabilidade civil carece de ser bem destrinçada da segurança social» [Frada… cit.]. 27.º – Além do mais, não deverá ser aceite a pretensão indemnizatória dos pais tendo por base o dano do nas- cimento do filho pois os encargos económicos alegados têm por base o próprio nascimento. Assim sendo, há uma nítida contradição, pois a deficiência originária é a própria vida que é tida como um dano, logo, os autores não podem encarar a vida como um prejuízo que possam liquidar a terceiro. 28.º – Nos termos do preceituado no artigo 562.º do CC, quando alguém alega um dano com fim de obter indemnização, faz-se sempre valer da situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto causador do dano, ou seja, se não fosse necessária a reparação. Desta sorte, seria o aborto e, consequentemente, a morte. […] 30.º – Reitere-se que os pais devem ter direito a ajudas sociais do Estado, mas não podem imputar o dano aos réus, pois o mesmo não resultou de qualquer comportamento culposo dos mesmos 31.º – Até porque ‘os deveres de informação do médico não têm como finalidade possibilitar à mãe a prática de um aborto. Prosseguem outros objetivos, à cabeça dos quais a possibilidade de levar a cabo uma adequada terapia à criança. A diligência exigível do médico não pode portanto medir-se em função daquele outro escopo. Na nossa ordem jurídica, não existe qualquer «direito» ao aborto. Apenas ocorre que nalguns casos se encontra estabelecida a não punibilidade do aborto’. 31.º [numeração repetida por lapso no original] – Apesar de o aborto médico não ser punido, não há nenhuma norma que o prescreva. Isto é, há normas que eximem de sanção e normas impositivas. Nestes moldes, não há qualquer fundamento para estabelecer ilicitude da conduta do médico, nem pode ser considerada a vontade hipo- tética que os autores teriam na altura caso soubessem o desfecho, bem como não pode ser considerado o interesse em viver ou não nascer da própria criança. […]»

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