TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
175 acórdão n.º 55/16 indemnização pela violação do seu direito de autodeterminação, concretamente no que toca ao planeamento fami- liar. Esta conclusão envolve uma enorme confusão a propósito espírito normativo do artigo 142.º do CP, pois não estamos a falar de um caso de estrito planeamento familiar, mas sim de um daqueles casos específicos que a Lei quis deliberadamente enquadrar como de decisão esclarecida dos pais em recorrer à interrupção da gravidez, ou seja, a situação de malformação do feto. […] 32.ª – A decisão recorrida interpretou e aplicou de forma incorreta o disposto nos artigos 24.º e 67.º da CRP, e no artigo 142.º do CP. […]». 1.5.1. As rés – que foram as recorridas nesse recurso, sendo as recorrentes no presente recurso de cons- titucionalidade – responderam à motivação dos autores, renovando os argumentos de inconstitucionalidade anteriormente invocados, formulando as seguintes conclusões (aqui em transcrição parcial): «[…] 8.º – Alegam os recorrentes que o Douto Acórdão recorrido é inconstitucional, porque alegadamente viola o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, por não entenderem a ligação que o acórdão pretende estabelecer entre os artigos 24.º e 67.º da CRP. 9.º – Ora, os recorrentes não conseguem, ou melhor, não quiseram entender o que o douto acórdão recorrido mencionou, isto é, que é errado interpretar o estatuído no artigo 67.º, n.º 2, alínea d) da CRP de forma a sustentar aos pais o direito a uma indemnização por violação do seu direito à autodeterminação. 10.º – Que é exatamente o que os aqui recorrentes pretendem! 11.º – Conforme o que já alegaram os aqui recorridos, o artigo 24.º da CRP não se limita, ao contrário de outros textos fundamentais e da própria DUDH, a dizer que ‘todos os homens têm direito à vida’, afirmando antes, numa fórmula normativa muito mais forte e expressiva, que ‘a vida humana é inviolável’. 12.º – Apesar de serem evidentes as dificuldades colocadas pela posição original que o direito à vida ocupa entre os demais direitos, o facto de o direito à vida se apresentar em regras como um direito de tudo ou nada – no sentido de que não são concebíveis ataques parcelares à vida sem perda dessa mesma vida – e o facto de o nosso Código Penal abrir a sua parte especial com os crimes contra a vida é revelador, de maneira clara e inequívoca, de que o bem ou valor jurídico-penal mais fortemente protegido é o da vida humana. […] 14.º – Por conseguinte, só a cedência a um formalismo construtivo, cego perante a necessidade de tutela con- creta dos bens jurídicos singulares pode justificar que instituir a possibilidade de aborto sem necessidade da menor justificação constitui ainda uma forma de concordância prática entre a vida intrauterina e os projetos de vida autonomamente definidos peja mãe. Decerto ninguém negará que a proteção da vida intrauterina, com rejeição do aborto a pedido, pode implicar o nascimento de crianças não desejadas, nalguns casos perturbadores dos planos de futuro consistentemente delineados, mas que significado pode isso ter perante a convicção de que “qualquer ser humano é sempre um fim em si mesmo, e não um instrumento para satisfação dos desejos dos seus progenitores”. 15.º – Desta forma, apesar da despenalização da interrupção voluntária da gravidez nos casos e dentro dos pra- zos expressamente previstos, não deve ser descuidada a intenção do legislador constitucional ao pretender garantir uma adequada proteção da vida. 16.º – Além do mais, a CRP afirma que ‘a vida humana é inviolável’, sem fazer menção ao estádio de desenvol- vimento em que essa mesma vida se encontra e, naturalmente, sem exigir a personalidade jurídica dos respetivos sujeitos ativos. 17.º – Logo, apesar de a jurisprudência constitucional admitir um sistema gradualista de proteção da vida humana, atendendo às suas diferentes fases de desenvolvimento, importa perceber que uma tal ponderação gra- dualista não significa, no entanto, […] que se possa admitir a constitucionalidade de uma legislação permissiva, utilitarista e instrumentalizadora da vida humana embrionária ou intrauterina.
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