TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
174 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 21.ª – As decisões da primeira instância apontaram ainda e fixaram duas vertentes desses danos morais: pri- meiro, uma maior intensidade do sofrimento dos autores por estarem convencidos pelos réus que o seu filho era saudável e só terem sabido das malformações no momento do nascimento. Os autos não têm indícios, factos ou documentos, que permitam à decisão recorrida afirmar que o sofrimento era o mesmo fosse qual fosse a altura em que os recorrentes soubessem das malformações. Além disso, essa conclusão da decisão recorrida é totalmente desconcertante porque deslocada em absoluto da realidade e da normalidade das coisas. Bem andou a primeira instância que se aproximou com sabedoria dessa realidade e normalidade. É um facto notório que as coisas são mesmo assim, porque bastará atentar que os recorrentes viveram nove meses enchendo um balão de expectativas com a ajuda dos réus que lhes garantiram que tudo estava bem com o feto, para que tudo rebentasse com enorme estrondo e dor no dia do nascimento. Não se pode aceitar que a decisão recorrida não tenha a sensibilidade para distinguir uma maior intensidade na dor e sofrimento dos recorrentes por tudo se ter passado como passou; em segundo lugar, um dano moral resultante do facto de a conduta dos réus ter privado os recorrentes da possibilidade de optarem pelo recurso à interrupção voluntária da gravidez, direito esse que a lei lhes conferia. […] 25.ª – Contrariamente ao que se conclui na decisão ora recorrida, o dano detetado e fixado nos autos é aquele que os pais sofreram pela falta de informação que lhes era contratualmente devida pelos réus. É desse dano que tratam os autos, e este ocorreu por duas formas e em momentos diferentes. A sentença da primeira instância con- denou os réus pelos danos causados aos recorrentes e não à criança. Por isso […] a decisão recorrida confunde os danos daqueles e os da criança, e os primeiros existem, foram apurados e fixados na primeira instância e os réus devem ser condenados a indemnizá-los, porque os provocaram pelo cumprimento defeituoso da sua prestação contratual. […] 27.ª – A decisão recorrida errou […] ao consagrar um entendimento que defende a igualdade de intensidade do dano em causa independentemente do momento em que os factos são conhecidos pelos lesados. Se é verdade que os recorrentes teriam sofrido um desgosto enorme se os réus tivessem cumprido sem defeitos a sua prestação contratual, ou seja, se os tivessem avisado atempadamente, como era seu dever, que a criança nasceria com malfor- mações, também não é menos verdade que, uma informação prestada no tempo que era devido, ou seja, aquando da realização das ecografias, pelo menos às 21 semanas, teria permitido aos recorrentes ter feito tudo o que lhes fosse possível para tentarem inverter a situação, ainda que o mal se revelasse irremediável. Se isso tivesse ocorrido, e essa tivesse sido a vontade dos recorrentes, então estes hoje poderiam ter a sua consciência tranquila porque tinham feito tudo o que humanamente lhes era possível para eliminarem as terríveis malformações do seu filho. 28.ª – O Acórdão recorrido está ferido de inconstitucionalidade, uma vez que a conclusão a que chegou envolve uma violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP. Tal decorre do facto de o Acórdão consagrar e validar uma interpretação das normas legais, quer da CRP quer do CP, que privou os recorrentes de desfrutarem de um direito que a lei lhes consagra, ou seja, o direito de optarem pela interrupção voluntária da gravidez. 29.ª – Não se entende, por manifestamente incompreensível, qual o sentido da ligação que o Acórdão pretende estabelecer entre os artigos 24.º e 67.º da CRP, quando na p. 18 parece que se quer salientar uma inviolabilidade do direito à vida que impediria qualquer hipótese dos pais, in casu os ora recorrentes, pensarem sequer em recorrer à interrupção da gravidez, quando o ordenamento jurídico português consagra a permissão da prática de interrupção da gravidez em certas e contadas situações. É o que, nomeadamente, resulta da redação dada pela Lei n.º 16/2007 de 17/4 ao artigo 142.º n.º 1 alínea c) do CP, despenalizando a interrupção voluntária da gravidez quando há seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, excecionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo. 30.ª – Depois, a decisão recorrida, ao aludir ao artigo 67.º da CRP, faz uma inapropriada incursão em política de planeamento familiar, pois é desta matéria que trata a alínea c) do n.º 2 desse preceito. O Acórdão concluiu que se faria uma errada interpretação deste artigo 67.º da CRP caso se atribuísse aos recorrentes o direito a uma
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