TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
171 acórdão n.º 55/16 Determinaram estas considerações o seguinte pronunciamento decisório (expresso a fls. 461): «[…] [J]ulgo a ação parcialmente procedente e, em consequência: a) condeno as rés H., Lda. e D. a pagarem, solidariamente, a quantia de € 35.000,00 a cada um dos autores (A. e B.) e a quantia que se vier a liquidar no competente incidente de liquidação quanto às despesas que os autores A. e B. vão ter de suportar com a substituição das próteses do filho até este atingir os 18 anos de idade. […]». 1.3. De novo inconformadas, interpuseram estas rés apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães. Alegaram que o dano não ocorreu em função da sua atuação, mas antes das malformações em si mesmas, pelo que não se verificaria um nexo de causalidade entre aquela atuação e os danos sofridos. Sustentaram, ainda –, concretizando agora a dimensão constitucional do argumento que caracterizámos no item 1.2.2.1. supra – que não poderia estabelecer-se uma indemnização por supressão da opção de interromper a gravidez, por tal ser incompatível com a proteção da vida estabelecida no artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Conceder indemnização aos pais, nestas circunstâncias, violaria – afirmaram as rés – aquela norma constitucional e constituiria interpretação errada do disposto no artigo 67.º, n.º 2, alínea d), da CRP, norma que historicamente se destinou a favorecer medidas de planeamento familiar que evitassem práticas abortivas. Consideraram, em suma, que a vida não pode ser encarada como dano. 1.3.1. Das alegações produzidas pelas recorrentes no contexto desta segunda apelação consta, designa- damente, o seguinte: «[…] [M]esmo que os pais tivessem a intenção de abortar, nunca poderia ser estabelecida um indemnização, por ter sido negada a estes essa ‘opção’. Conforme o consagrado no artigo 24.º da CRP, a Constituição Portuguesa não se limita, ao contrário de outros textos fundamentais e da própria DUDH, a dizer que ‘todos os homens têm direito à vida’, afirmando antes, numa fórmula normativa muito mais forte e expressiva, que ‘a vida humana é inviolável’ […] sem fazer menção ao estádio de desenvolvimento em que essa mesma vida se encontra e, naturalmente, sem exigir a personalidade jurídica dos respetivos sujeitos ativos. Logo, apesar de a jurisprudência constitucional admitir um sistema gradualista de proteção da vida humana, atendendo às suas diferentes fases de desenvolvimento importa perceber que, uma tal ponderação gradualista não significa, no entanto, como melhor se perceberá de seguida, que se possa admitir a constitucionalidade de uma legislação permissiva, utilitarista e instrumentalizadora da vida humana embrionária ou intrauterina. Até porque, se soluções legais conducentes à ‘coisificação’ do embrião muito dificilmente podem ter-se por aceitá- veis, e apesar de o legislador não ter alterado o artigo 66.º do C.C. no sentido de fazer coincidir o início da personali- dade com o momento da conceção, há que reconhecer, sob pena de se incorrer num conceptualismo desajustado, que a personificação do embrião tem natureza instrumental e não a ideia mais vasta de proteção do embrião. […] Portanto, apesar de alguns entenderem que os pais devem ter o direito de determinarem ‘livre e consciente- mente a dimensão da sua família e o escalonamento dos nascimentos’, conceder aos pais o direito a uma indemni- zação por violação do seu direito à autodeterminação, concretamente no que toca ao familiar é resultado de uma má interpretação constitucional. Na medida em que, o texto constitucional não autoriza em ‘uma interpretação do artigo 67.º, n.º 2, alínea d) , no sentido de que a interrupção da gravidez constitui um instrumento de planeamento familiar ou uma solução imposta pela necessidade de garantir o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes. Pelo contrário, não só tal leitura ignora o sentido do direito à vida consagrado no artigo 24.º n.º 1, como o propósito disposto no
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