TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

169 acórdão n.º 55/16 Conforme se pode ler na Anotação feita por António Pinto Monteiro ao […] Ac. do STJ (in RLJ, Ano 134.º, p. 378) ‘convém à partida distinguir as situações em que são os pais a pedir uma indemnização por danos próprios, daquelas situações em que os pais intervêm como representantes do filho menor pedindo uma indemnização por danos deste, por danos sofridos pelo filho. Numa terminologia já muito difundida, as primeiras são situações de wrongful life e as segundas de wrongful birth (...)’. Nas situações de wrongful life ‘o que se pretende indemnizar é precisamente o dano sofrido pela própria criança, por ter nascido com graves deficiências físicas e/ou mentais, deficiências essas que os médicos não detetaram ou sobre as quais não informaram convenientemente os pais, sendo certo que estes, se tivessem sido bem esclareci- dos teriam optado por abortar. As wrongful life actions , baseiam-se assim na omissão, pelos médicos, do dever de informação, ou no negligente cumprimento de tal dever, de que vem a resultar o nascimento de uma criança com graves malformações, pelo que é ela própria que pretende ser indemnizada. Porque dano? Pelo dano de ter nascido!’ ( ibidem ). Na maior parte dos casos, a jurisprudência estrangeira tem negado à criança deficiente a indemnização preten- dida nas wrongful life claims (embora se encontrem também decisões que conferiram aos pais uma indemnização contra o médico pelo prejuízo dos encargos económicos que a vida deficiente do próprio filho lhes trouxe). Também este foi o entendimento sufragado pelo STJ no referido Ac. de 19/6/2001. […] Concluímos assim […] que a pretensão do autor C. não pode ser procedente. As coisas mudam de figura se, em vez de nos debruçarmos no hipotético (mas, como vimos, inexistente) dano (‘da vida’) causado à criança, pensarmos no mal causado aos pais (ou, pelo menos, assim alegado pelos pais) com o nascimento do seu filho portador de deficiência ( wrongful birth ). Neste caso, estão em causa danos sofridos pelos próprios pais, sejam eles patrimoniais (despesas com a vida da criança deficiente), sejam eles morais, resultantes da supressão da faculdade que seria concedida à mãe, ou aos pais, de, informados sobre as malformações do feto, optarem ou não pelo aborto – direito ou interesse que vai sendo objeto de progressiva aceitação na nossa sociedade. […] [H]á que reconhecer que nestas ações de wrongful birth , o pressuposto da indemnização que é, quanto a nós, devida aos pais, assenta na violação do contrato médico e do dever de informar que, como se referiu supra, os pri- vou da faculdade que lhes seria concedida de optar, ou não, pelo aborto. […] No caso dos autos, merecem ser valorados como danos não patrimoniais sofridos pelos autores pais, o abalo sentido no momento do nascimento, o sofrimento por eles ainda vivido: ‘no momento do nascimento os autores pais foram confrontados com as malformações no menor e ficaram chocados, estado de choque que ainda hoje se mantém, sendo certo que sempre lhes foi dito pelos réus que realizaram as ecografias que o feto era perfeito e que o bebé estava com excelente saúde; os autores sofrem muito com esta situação, que lhes tem causado muitas angús- tias e incómodos e que aumenta quando olham para o menor, constatando que este será totalmente dependente de uma terceira pessoa para o resto da vida; agravando o sofrimento de seus pais quando verificam esta situação e ainda por verificarem que o seu filho chora por não conseguir brincar como as outras crianças’ (pontos 15 a 21 e 25 dos factos provados). Será ainda valorada a própria privação da faculdade que era conferida aos autores de poderem optar licitamente pela interrupção da gravidez. […]» (sublinhados acrescentados). 1.2.1. Em desacordo com esta decisão, as duas rés condenadas – as ora recorrentes – apelaram ao Tri- bunal da Relação de Guimarães, impugnando a fixação dos factos provados e a subsunção jurídica destes. Consideraram, designadamente, que o dano não decorreu da sua atuação, mas antes das malformações em si

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