TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

168 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL em 31 de janeiro de 2005, respetivamente às oito semanas e cinco dias de gestação, às vinte e uma semanas e um dia de gestação e às trinta semanas e quatro dias de gestação; dos referidos exames resultaram os relatórios juntos aos autos a fls. 24 a 26; o filho dos autores, C., nasceu em 7/4/2005, com deficiência transversa do punho, mão e pé esquerdo, deficiência longitudinal do pé direito e sindactilia da mão direita; as deformidades descritas no ponto 4 eram detetáveis numa ecografia realizada às 12 semanas de gestação; no entanto, em nenhum dos relatórios das ecografias realizadas pela autora vem referido que foram visualizados os dedos de qualquer dos quatro membros (pontos 2 a 7 dos factos provados). As malformações em causa foram provocadas pela síndroma de bandas amnió- ticas; as bandas amnióticas são de génese precoce e os seus efeitos, como os referidos no ponto 34, é que podem ser detetáveis em qualquer altura da gravidez; as referidas bandas amnióticas podem provocar garrotagens e originar a amputação de membros ou o desenvolvimento anormal destes por falta de vascularização; tais bandas amnióticas podem ou não ser detetáveis nas ecografias, não o sendo designadamente nas situações em que as mesmas se encon- tram encostadas ao feto ou à parede do útero; nas ecografias em causa nem as bandas amnióticas foram detetadas, nem foram detetadas as deformidades que provocaram (pontos 32 a 36 dos factos provados). Perante as considerações expendidas supra, temos de concluir que a realização das ecografias solicitadas pelos autores à 5.ª ré envolvem um risco muito circunscrito e balizado, em que o elevado grau de especialização técnica permite exigir do médico que as executou o resultado contratado (a correta avaliação do desenvolvimento do feto e deteção de deformações morfológicas durante a gravidez), pelo que a obrigação assumida é uma obrigação de resultado. Ora, se a 5.ª ré se obrigou a um resultado e não o alcançou (pois os relatórios das ecografias realizadas – pelo menos o da ecografia realizada às 21 semanas – não revelaram as malformações que o feto sofria, sendo certo que tais malformações eram detetáveis), temos de concluir pelo incumprimento contratual, ou pela ilicitude da conduta. Por outro lado, perante os factos provados, temos de concluir que, pelo menos na […] ecografia realizada às 21 semanas, a médica que a realizou não atuou segundo as regras da boa prática profissional, pois as deformações do feto já eram detetáveis e não o foram; de qualquer forma, não ficou demonstrado que foram tomadas todas as medidas exigíveis ao caso, conformes às leges artis , de modo a evitar o resultado danoso, nem tão pouco, no que respeita ao nexo de causalidade, que houve uma situação de caso fortuito, excludente da relação de causalidade entre a conduta censurável e o dano. […] Assim, […] quanto à […] ecografia realizada às 21 semanas, temos de concluir que existiu culpa por parte da médica que a realizou (a ré D.) […]. Importa salientar que os autores não lograram demonstrar, nem alegaram, que foi a conduta dos réus que determinou as malformações com que o autor C. nasceu. […] O que está em causa nestes autos é precisamente [o] errado resultado do exame ecográfico realizado às 21 sema- nas de gravidez da autora e a não informação aos autores das malformações que já então eram detetáveis. O nexo de causalidade estabelece-se, assim, entre o comportamento da ré D. e a faculdade que os autores pais teriam de interromper a gravidez e entre aquele comportamento e o forte abalo sentido pelos autores a quem, durante a gravi- dez, sempre foi dito que o feto era perfeito e que o bebé estava com excelente saúde (ponto 17 dos factos provados). […] Entramos no âmbito das denominadas ‘ wrongful (life/birth) actions ’, amplamente debatidas pela doutrina e jurisprudência estrangeiras e doutrina portuguesa, mesmo antes do conhecido Acórdão do STJ de 19/6/2001, que decidiu um caso muito semelhante ao que agora nos ocupa. […] Como se advinha, as questões que levantam este tipo de ações são de grande dificuldade e melindre e ultrapas- sam as fronteiras do direito, pois estão em causa conceções morais, filosóficas e religiosas.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=