TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
165 acórdão n.º 55/16 X – Neste conspecto, deve notar-se que, mesmo colocando-se o acento tónico na questão da não existên- cia, prevalece a circunstância de esta se esgotar numa construção intelectual, sem qualquer repercus- são efetiva na existência de alguém, enquanto dado de facto que não sofre alteração alguma com o estabelecimento de uma indemnização em dinheiro. XI – O direito à vida, no contexto do n.º 1 do artigo 24.º da Constituição, não exclui, no quadro da afirmação dessa inviolabilidade, que a aferição da existência de um dano envolva uma operação inte- lectual de cariz contrafactual que identifique, como hipóteses não verificadas, as várias opções que se colocariam aos pais de uma criança nascida com uma deficiência congénita, da qual não foram informados durante a gestação, caso essa informação – da qual eram contratualmente credores – lhes tivesse sido fornecida em determinadas circunstâncias de tempo. XII – Assim, esse direito não é afetado pelo ressarcimento dos pais pelo dano resultante da privação do conhecimento de um elemento importante no quadro das respetivas opções reprodutivas, quando o conhecimento dessa circunstância ainda apresentava potencialidade para determinar ou modelar essas mesmas opções. XIII – O artigo 67.º, n.º 2, alínea d) , da Constituição não tem qualquer atinência à concreta situação que tem vindo a ser descrita. O direito ao planeamento familiar e à maternidade e paternidade conscien- tes exige que o Estado se organize em termos que permitam assegurar, através de prestações positivas ( v. g. , a informação ao público ou a criação de serviços de atendimento e acompanhamento dos casais), a formação esclarecida da vontade de procriar. XIV – Embora o exercício “de uma maternidade e paternidade conscientes” acarrete consequências (positi- vas) no fenómeno abortivo, na medida em que quanto mais esclarecida e ponderada é a concretiza- ção da vontade de ter um filho, menor é a probabilidade – no universo das pessoas que procriam – de a gravidez ser voluntariamente interrompida, independentemente das razões que fundem a interrup- ção. Todavia, esta asserção nada tem a ver com o fenómeno da interrupção da gravidez em caso de malformações evidenciadas pelo nascituro. A associação entre planeamento familiar e a interrupção da gravidez faz-se por referência a uma interrupção desmotivada, sem relação com perigos para a saúde da grávida ou do nascituro, designadamente no sentido de reduzir o número de gravidezes indesejadas. XV – Uma hipótese de gravidez inicialmente desejada relativamente à qual se poderia ter colocado a pos- sibilidade de optar por uma interrupção por motivos de malformação do feto em nada se relaciona com a formação esclarecida e informada da vontade de procriar ou com os meios que devem ser colocados à disposição das pessoas em vista do objetivo programático que subjaz ao artigo 67.º, n. os 1 e 2, alínea d) , da Constituição. XVI – O direito a uma indemnização e a obrigação de indemnizar – no que à tutela constitucional dos direitos respeita – não devem ser olhados de forma desligada das respetivas implicações na tutela dos direitos, seja na perspetiva (positiva) da reparação dos danos como forma de tutela, seja na perspetiva (negativa) da limitação ao exercício de direitos através do vínculo das obrigações. XVII – Num caso ou noutro, a indemnização nunca releva enquanto tal, mas como expressão da tutela con- ferida ou retirada a um direito protegido pela Lei Fundamental. Só podemos afirmar que a atribuição
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