TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
164 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL presente e cuja abordagem indemnizatória se esgota na fixação de uma indemnização em dinheiro (vide o artigo 566.º do Código Civil). IV – Não está em causa, neste contexto, qualquer modificação de uma realidade física existencial, tudo se passando no domínio da abstração, relativamente àquilo de que se fala a respeito da “interrupção da gravidez”, esgotada na argumentação em plano hipotético, equacionando algo que poderia ter aconte- cido mas que, efetivamente, não aconteceu. Trata-se de uma operação intelectual de fixação dos pres- supostos com base nos quais se determinará qual o comportamento que era devido pelos médicos, no sentido da realização de um exame de diagnóstico pré-natal no quadro do relacionamento contratual estabelecido com os pais da criança. V – Não procede, na discussão da viabilidade das ações por wrongful birth , o modelo argumentativo tra- duzido na rejeição da indemnização em virtude de a reposição da situação hipotética que pressuporia a ausência de dano conduzir a algum tipo de afirmação retrospetiva (enquanto correspondência à situação de ausência de dano) da “não existência” do sujeito em função do qual a verificação do dano é afirmada, em virtude da (hipotética e não efetivamente verificada) interrupção da gravidez. VI – Tal construção pode designar-se “problema da não existência” ou como “paradoxo da não existên- cia”, o qual contribuiu para, inicialmente, a jurisprudência rejeitar as atribuições indemnizatórias nas wrongful birth claims , no sentido em que a observância do comportamento lícito teria conduzido os pais, tivessem estes sido informados a tempo da deficiência do filho em gestação, à prática de um aborto e, assim, à supressão da vida em função da qual a indemnização é (depois) pedida. A afirmação da existência de um dano conteria, assim, uma espécie de “bomba lógica” que conduziria a uma con- tradição valorativa insuperável. VII – Já num outro plano, por referência ao caráter inviolável da vida humana, a negação da possibilidade de que um dano possa ser construído com esta base assentaria na recusa de encarar a vida de alguém, mesmo no quadro de uma mera operação intelectual contrafáctica, como um dano. VIII– As reservas sumariadas em “V”, “VI” e “VII” supra foram sendo, progressivamente, afastadas pela doutrina e pela jurisprudência, desvalorizando-se o sentido do paradoxo da não existência, por via da caracterização da realidade em causa nessas ações como substancialmente distinta nos seus pressupos- tos da afirmação hipotética contida na formulação do paradoxo. Trata-se, pelo contrário, de fixar uma indemnização, necessariamente fora de qualquer quadro de “reconstituição natural”, por danos atuais imutáveis, sempre atribuída em função de uma efetiva situação de existência e sempre estabelecida por referência a desvalores decorrentes das peculiaridades da atividade de médicos agindo no quadro de um diagnóstico pré-natal. Por trás desta posição mais favorável à viabilidade da ação, está a consi- deração de não se justificar deixar fora da tutela indemnizatória a má-prática médica nestas situações, vistas como correspondentes a obrigações de resultado, e de não ser justo, igualmente, não conferir essa tutela aos destinatários da informação contida nesse tipo de diagnóstico. IX – Nesta outra visão das coisas, favorável à concessão da indemnização, trata-se de sublinhar que estamos perante pretensões de compensação indemnizatória por má-prática médica. A circunstância de assen- tarem, de alguma forma, numa construção contendo algo de paradoxal, pouco ou nada muda nessa essência reparatória de danos sofridos por pessoas determinadas em resultado do desvalor da conduta de outras pessoas.
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