TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

162 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL bem como a inclusão de uma exigência de determinabilidade no conteúdo normativo do princípio. Simples- mente entendo que não há na interpretação sindicada uma afetação desse conteúdo em termos que justifique um juízo de inconstitucionalidade. Na sua dimensão positiva, o princípio do juiz natural consiste, para utilizar palavras do Acórdão n.º 614/03, «no dever de criação de regras suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstractas». Quanto a estas últimas características, parece claro que o critério aplicado as respeita, pois não houve uma definição individual, ad hoc , de competência. Já quanto à suficiente determinação (impeditiva de manipulações arbitrárias) levantam-se, na verdade, alguns problemas. Esses problemas nascem pelo facto de o artigo 22.º, n.º 1, da LOFTJ, contendo uma norma de aplica- ção genérica a todos os processos, não levar em conta a especificidade do processo penal, ao determinar que “a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe”. No processo penal não há propriamente uma propositura de ação, pelo que o preceito, nesse âmbito, não pode ser levado à letra. Mas não é descabido interpretar a referência como denotando o momento inicial do processo (até tendo em conta a estatuição da irrelevância de modificações posteriores, formulada no segundo segmento), bem como considerar que esse momento se verifica com a notícia do crime, que dá abertura ao processo. Não pode dizer-se assim, contrariamente ao que se lê no Acórdão, que estejamos perante «competên- cia criada jurisprudencialmente, com base numa interpretação normativa que, não só é inovatória face aos critérios legais, como neutraliza e contraria esses mesmos critérios, assim atentando contra o princípio da legalidade da competência e, por essa via, também contra o princípio do juiz natural (…) ». A interpretação seguida na decisão recorrida não é uma pura criação jurisprudencial, pois tem um mínimo de correspon- dência no texto normativo, diferentemente do que se passava na questão decidida pelo Acórdão n.º 324/13. Este aresto estabeleceu dois pressupostos para que se possa considerar violado o princípio da legalidade, em matéria de processo penal: a total falta de correspondência entre o sentido retirado da norma e o seu texto e o enfraquecimento da posição processual do arguido. Não se me afigura que qualquer destes pressupostos se possa ter por concretizado aqui, pelo que a orientação fixada naquele Acórdão não só não se presta a fundar a decisão de que divirjo, como depõe em sentido contrário. Resumida ao essencial, a questão aqui presente pode ser formulada do seguinte modo: verificando-se estarem preenchidos os pressupostos legais de competência do Tribunal Central de Instrução Criminal para a fase de inquérito, deve ou não essa competência prorrogar-se para a fase de instrução, no caso de, em face do teor da acusação, se terem deixado de verificar esses pressupostos? A resposta afirmativa, que tem boas razões por si (e, por isso, foi expressamente dada pelo legislador de processo penal, para a hipótese de separação de processos em conexão – artigo 31.º do CPP) não contende com o princípio do juiz natural. Não estamos perante uma “razão caprichosa” e arbitrária, que acolha o puro facto do exercício anterior de competência (na fase de inquérito), contrariamente ao que algumas formulações do Acórdão (incluindo a fórmula decisória) sugerem. Atende-se a critérios legais, gerais e abstratos, reportando-os ao momento inicial do processo, por eles se determinando, também para a subsequente fase de instrução, a instância competente. Independen- temente de saber qual a melhor solução no plano infraconstitucional, não se vê que esta determinação fixa, insensível à dinâmica de um processo que se desenvolve por fases distintas, esteja ferida de inconstitucionali- dade, por afetação do princípio do juiz natural. Dito de outra forma: não se vê que este princípio contenha em si a exigência de que a competência, em processo penal, se amolde ao objeto do processo, tal como ele se define em cada uma das duas fases: a do inquérito e a da instrução. – Joaquim de Sousa Ribeiro. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 1 de março de 2016. 2 – Os Acórdãos n. o s 205/99, 614/03 e 183/08 e stão publicados em Acórdãos, 43.º, 57.º e 71.º Vols., respetivamente. 3 –Os Acórdãos n . os 21/12, 324/13, 4 82/14 e 587/14 es tão publicados em Acórdãos, 83.º, 87.º, 90.º e 91.ºVols., respetivamente.

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