TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

160 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 24. Aqui chegados, parece impor-se a conclusão de que a norma de competência em causa mais não é do que a negação da regra de competência legal. Existindo, como existe, regra objetivamente delimitada na LOFTJ (em função do tipo de crime e da dispersão geográfica), a remissão para o momento processual anterior – em que o objeto do processo não se encontra suficientemente definido, estando sujeito a mutações que constituem momentos normais na dinâmica do processo – acaba por fazer depender a competência do juiz de um momento processual em que os critérios competenciais não se podem dar por suficientemente consolidados ou, até, por adquiridos. É, na prática, como se a regra de competência para um processo futuro se houvesse de buscar nas características de um outro processo, passado. E, sublinhe-se, com isto não estamos no plano da melhor ou pior hermenêutica, mas numa situação em que se ilude a norma de competência, esvaziando-a da sua aplicação normal e esperada e conferindo-lhe um cunho de arbitrariedade que subverte a garantia do juiz natural. O caso concreto espelha, precisamente, este resultado: a separação do processo – ainda na fase de inqué- rito –, a que sucedeu o arquivamento por alguns dos factos investigados, acabou por confirmar que os crimes em causa no processo autonomizado já não tinham relação com os pressupostos da regra de competência. Um tal desfecho só pode conduzir à conclusão de que, como se disse noutro ponto, o resultado da insufi- ciente densidade da norma jurisprudencialmente construída e aplicada foi, como poderá sempre ser, uma intolerável indeterminação da regra atributiva da competência. 25. A este propósito, recorde-se que este Tribunal, no Acórdão n.º 21/12, ponderou as consequências da separação de processos na determinação do juiz competente: «Na hipótese da interpretação normativa sindicada, a possibilidade de o Ministério Público, na fase de inqué- rito, determinar a separação de processos, não implica um ‘desaforamento’ arbitrário do juiz de instrução que já tenha sido chamado a proferir alguma decisão no inquérito originário que contenda com o princípio consagrado no artigo 32.º, n.º 9, da Constituição. É que, ainda que seja o Ministério Público a decidir da separação de processos, é a própria lei que fixa os crité- rios objetivos que poderão fundamentar tal separação, bem como o tribunal com competência para conhecer dos processos separados (critérios esses que são precisamente os mesmos no caso de a decisão ser proferida pelo juiz de instrução criminal).» (sublinhado acrescentado). O Tribunal entendeu, pois, que a separação de processos, só por si, não implica a violação das regras do juiz natural, precisamente porque, a partir desse momento, continuariam a ser aplicáveis as regras de compe- tência próprias para a determinação do juiz competente em cada um dos processos separados. Diferentemente, a norma aplicada pelo tribunal a quo assenta em preceitos normativos que não per- mitem a predefinição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas, antes atribuindo competência ao TCIC, através de uma definição individual (e, portanto, arbitrária), que põe em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e compromete a sua confiança nos tribunais – o que se considera bastante para que o princípio do juiz natural se tenha por ofendido. Em conclusão, a norma sindicada, emergente da interpretação dos artigos 22.º, n.º 1, 23.º e 80.º, n.º 1, todos da LOFTJ, na redação introduzida pela Lei n.º 46/2011, de 24 de junho, no sentido de que «apenas porque, na fase de inquérito, é cometida ao TCIC a competência para a prática dos atinentes atos jurisdi- cionais, deve essa competência estender-se à fase de instrução, mesmo que não verificados quaisquer dos pressupostos (cumulativos, aliás) ali mencionados – isto é, mesmo que no processo não haja sido deduzida acusação por qualquer dos crimes do catálogo do n.º 1 do artigo 47.º da LOMP, nem se verifique qualquer dispersão territorial da atividade criminosa», viola o n.º 9 do artigo 32.º da CRP. Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso.

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