TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
159 acórdão n.º 41/16 norma ignora, desde logo, as especificidades próprias da jurisdição criminal, reconhecidas pelo legislador na definição das regras de competência da LOFTJ (artigo 19.º, n.º 3 – «em matéria criminal, a competência é definida na respectiva lei do processo»). 22. Ao atribuir ao TCIC competência para realizar a fase de instrução apenas porque este era compe- tente para a prática dos atos jurisdicionais no inquérito, a norma desconsidera ainda a ratio da distribuição de competências legalmente estabelecida. No quadro das garantias constitucionais do processo criminal decorrentes do artigo 32.º da Constitui- ção (cfr. n.º 5), o legislador processual penal definiu a dinâmica do processo penal, envolvendo várias fases, que convocam competências diferenciadas. No que diz respeito especificamente aos TIC's, a lei (artigo 79.º da LOFTJ) distingue as respetivas competências funcionais para: (i) praticar os atos jurisdicionais do inqué- rito, (ii) proceder à instrução e (iii) decidir a pronúncia. Para dirigir a fase do inquérito é competente o Ministério Público, encontrando-se a intervenção do juiz limitada aos atos materialmente jurisdicionais, o que explica que só nesta medida a lei se preocupe com a defi- nição da competência do TIC. Note-se que o CPP não prevê expressamente nenhuma regra determinadora do TIC competente para intervir na fase de inquérito. Todavia, estabelece regras para definir a competência do representante do Ministério Público que há de proceder ao inquérito (artigo 264.º do CPP). Estas regras de competência são dotadas da flexibilidade necessária para acompanhar a evolução da investigação – cfr. o artigo 264.º, n. os 1 e 2, do CPP. Na verdade, como se estabelece no artigo 266.º do CPP, «Se, no decurso do inquérito, se apurar que a competência pertence a diferente magistrado ou agente do Ministério Público, os autos são transmitidos ao magistrado ou agente do Ministério Público competente». Por oposição ao inquérito, a fase de instrução é da competência do juiz de instrução (tribunal de ins- trução criminal), assumindo a sua definição uma centralidade que não tem paralelo na fase do inquérito. Recorde-se que a fixação do objeto do processo só se dá no termo deste, com a dedução da acusação, ou, no caso de arquivamento, com o requerimento de abertura da instrução (neste sentido, cfr. Germano Marques da Silva, Processo Penal, 2009, volume III, p. 130). É, de resto, por referência a esses factos que o legislador define as regras de alteração do objeto do processo na fase de instrução (artigo 303.º do CPP). 23. Ao neutralizar o vínculo de dependência entre a verificação dos pressupostos exigidos no artigo 80.º, n.º 1, da LOFTJ, e a atribuição da competência ao TCIC para proceder à instrução e decidir a pro- núncia, bastando-se com a prévia atribuição ao TCIC da competência para praticar os atos jurisdicionais no inquérito para lhe somar a competência para realizar a instrução, a norma em análise subestima a distinção legalmente assumida, na definição das competências do juiz de instrução criminal, entre as competências funcionais relativas à realização da instrução e a competência para praticar os atos jurisdicionais do inquérito. Todavia, sendo inegável (e normal) a dinâmica de qualquer processo, ela é particularmente impressiva (e natural) na fase de inquérito do processo penal. A circunstância de os factos se encontrarem em investigação torna-os fluidos, o que faz com que o objeto do processo só adquira contornos precisos a partir da acusação ou, sendo caso disso, da pronúncia. Os artigos 358.º e 359.º do CPP constituem manifestações dessa pro- gressiva consolidação da configuração processual. A circunstância de o juiz de instrução, na fase de instru- ção, pretender fundar a sua competência por referência à fase inicial do inquérito traduz uma dissonância evidente, na medida em que nesta fase aquela configuração já se encontra, ao contrário do que sucedia na anterior, tematicamente delimitada. Inevitável será concluir que estamos perante uma verdadeira norma atributiva de competência criada jurisprudencialmente, com base numa interpretação normativa que, não só é inovatória face aos critérios legais, como neutraliza e contraria esses mesmos critérios, assim atentando contra o princípio da legalidade da competência e, por esta via, também contra o princípio do juiz natural, na dimensão de garantia de tribu- nal estabelecido por lei, expressamente acolhida no artigo 32.º, n.º 9, da Constituição.
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