TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
158 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um tribunal designado em função das partes ou do caso concreto. (…) E, independentemente da distinção no princípio do juiz legal de um verdadeiro direito fundamental subje- tivo de dimensões objetivas de garantia, pode reconhecer-se nesse princípio, desde logo, uma dimensão positiva, consistente no dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas.» A questão é tanto mais digna de tutela quanto está aqui em causa a definição da competência de um tri- bunal criminal de primeira instância; tribunal que, por ser “central”, abrange todo o território nacional, com exclusão dos outros tribunais da mesma instância – o que enfrenta especiais limitações, desde logo relativas à liberdade deixada ao próprio legislador, tendo em vista não defraudar as garantias processuais e de defesa dos arguidos. 20. Neste plano, não deve ignorar-se, que a Constituição fornece algumas regras sobre a organização dos tribunais judiciais (artigos 209.º e segs.). É certo que a CRP não proíbe, nomeadamente, a existência de tribunais com jurisdição penal de competência especializada ou específica (artigo 211.º, n.º 2), tal como não exige que estes tribunais tenham por base territorial a comarca. Importa, todavia, ter presente o limite imposto pelo n.º 4 do artigo 209.º da CRP à organização dos tribunais com jurisdição penal, ao proibir jurisdições criminais extraordinárias, isto é, a existência de tri- bunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes. Sem deixar de estar originariamente relacionada com a garantia do juiz natural, a proibição dos tribunais penais extraordinários anda tradicionalmente associada à proibição de tribunais especiais – caracterizados por oferecerem menores garantias de independência e defesa – para julgar certas categorias de crimes, designadamente crimes políti- cos. De todo o modo, como alertam Gomes Canotilho e Vital Moreira: «Não é líquido que, face ao disposto neste n.º 4, se possam criar “tribunais centrais criminais” com competên- cia relativamente a crimes de especial gravidade. A “gravidade” reside muitas vezes mais na “investigação” do que no julgamento, devendo, por isso, a interpretação em conformidade com a Constituição conduzir à limitação da discricionariedade do legislador quanto à instituição deste tipo de tribunais» ( cit., pp. 553-4).» Se a Constituição limita a discricionariedade do legislador na instituição de tribunais com competência exclusiva, é legítimo considerar, à luz dos princípios nela inscritos, que a discricionariedade judicial na inter- pretação e aplicação de normas de atribuição de competência aos tribunais assim instituídos também deve ser tida por limitada. Ora, como igualmente se disse já, a norma sob juízo apenas admite a alteração de competência num sen- tido – o do alargamento da competência do TCIC. É um “caminho sem retorno”. Esta conceção parece apelar a um sentido de excecionalidade da competência deste tribunal relativamente aos demais tribunais de instrução criminal, invocando uma dimensão “extraordinária” de jurisdição penal, não consentida pela Constituição. 21. Afastado, por imperativo constitucional, o reconhecimento de qualquer jurisdição criminal extraor- dinária, vejamos então de que modo a garantia do juiz legal é afetada pela norma sindicada. Esta, por inter- pretação dos artigos 22.º, 23.º, 79.º e 80.º da LOFTJ, define, como se disse, como critério de atribuição de competência ao TCIC para realização de instrução, a competência deste para a realização do inquérito. A norma assim construída prescinde dos dois pressupostos de competência do TCIC, enunciados clara- mente pelo legislador no artigo 80.º da LOFTJ, para determinação “dos casos especiais de competência” – o elenco e a dispersão geográfica –, fazendo apelo a preceitos da LOFTJ, cujo objeto são ações. Desta forma, a
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