TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

157 acórdão n.º 41/16 competência já anteriormente assumida em fase distinta do processo (o inquérito), independentemente do apuramento das regras objetivas de competência legalmente definidas e efetivamente aplicadas, bem como do acerto ou desacerto desta aplicação. 18. A circunstância, já mencionada, de não caber ao Tribunal Constitucional apontar a melhor inter- pretação do direito infraconstitucional não o proíbe de lembrar que na interpretação de regras de atribuição de competência – fortemente vinculadas ao princípio da legalidade – não podem ser ignorados comandos expressos do legislador. Recentemente, o Tribunal Constitucional teve ocasião de esclarecer que a questão de saber se a inter- pretação normativa em causa se contém, ainda, no sentido possível das palavras da lei ou se, ao invés, lança o intérprete no campo da analogia constitucionalmente proibida, não extravasa o âmbito dos seus poderes de cognição, uma vez que o princípio da legalidade em matéria criminal, constitucionalmente consagrado, é extensível ao processo penal (Acórdão do Plenário n.º 324/13). Neste aresto o Tribunal viria a julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade inferior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP). Também no Acórdão n.º 183/08, o Tribunal julgou inconstitucional, por violação do disposto no artigo 29.º, n. os 1 e 3, da Constituição, a norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º 1, alínea a) , do Código Penal, e do artigo 336.º, n.º 1, do CPP, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia, considerando que não fora respeitado «o princípio da legalidade criminal constitucionalmente consagrado enquanto princípio-garantia “direta e imediatamente aplicável aos cidadãos”». Nas situações apreciadas nestes arestos, tal como no caso que aqui nos ocupa, estava em causa a eventual ultrapassagem do sentido semântico de uma norma, contra as garantias constitucionais do arguido. 19. É importante ter presente que a norma sindicada neste processo contende com uma das garantias do processo penal e de defesa do arguido consagradas no artigo 32.º da Constituição, preenchendo o seu n.º 9 (garantia igualmente consignada em diversos tratados internacionais – cfr. artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem). O princípio do juiz natural não é uma mera regra organizativa: é uma das garantias constitucionalmente consagradas do arguido. Salientou-se no Acórdão n.º 614/03, que ocupa lugar de destaque na jurisprudência do Tribunal Cons- titucional na matéria: «(…) 11. O princípio do ‘juiz natural’, ou do ‘juiz legal’, para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da Constituição). Designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeter- minado por lei, gesetzlicher Richter ) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juízes chamados a dizer o Direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo – em nome da raison d’État – quer provenham de outras pessoas (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a cria- ção e manutenção da confiança da comunidade na administração dessa justiça, “em nome do povo” (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que recorre

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