TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
156 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 15. O problema essencial – e constitucional – deste modelo é dele não resultar a determinação do juiz competente para a instrução com base em critério objetivamente definido pelo legislador. Pondere-se que a razão de a lei definir um critério geral e objetivo de atribuição de competência do TCIC, no artigo 80.º da LOFTJ – hoje correspondente ao artigo 120.º da nova Lei Orgânica do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, doravante, “LOSJ”) – reside na intenção de evitar a eventual manipulação da competência, de que poderia resultar a escolha do juiz. Ora, decorrendo da norma sindicada que, ainda que se não preencham no caso os requisitos objetiva- mente exigidos pelo legislador na norma atributiva de competência ao TCIC, este continua a ter competên- cia para a instrução, somente por a ter tido para a prática de atos jurisdicionais durante a fase de inquérito, tal manipulação é realmente possível. Mas permitirá esta possibilidade fundar um juízo de inconstitucionalidade assente na violação do prin- cípio do juiz natural? Não estaremos assim a assentar tal juízo num “processo de intenção”, insuficiente para legitimar e justificar a intervenção do Tribunal? 16. Entende o Tribunal que a resposta a estas dúvidas é negativa. É que o cerne do problema não está na manipulação possibilitada pela norma – melhor, pela interpre- tação normativa – de que resulta a atribuição da competência ao TCIC. O que releva não é o resultado, esse incerto; é a causa, essa certa. O problema está na própria interpretação normativa, não nas suas eventuais consequências. Na verdade, emerge dela uma norma jurisprudencialmente reconstruída, que apresenta densidade insu- ficiente, quando comparada com o que se deve reclamar de uma norma integradora de um quadro legal par- ticularmente exigente em matéria de determinação normativa, como é o dos direitos fundamentais (tendo, por isso, como se sabe, o maior relevo constitucional). Ora, a exigência de determinabilidade constitui uma dimensão fundamental do princípio do juiz natu- ral, «o que implica que o juiz (ou juízes) chamados a proferir decisões num caso concreto estejam previa- mente individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível inequívoca» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit. , anotação ao artigo 32.º da CRP, p. 525). A predeterminação legal implica a fixação antecipada do tribunal competente relativamente a hipóteses fácticas, necessariamente abstratas, suscetíveis de ocorrer no futuro – e não em função de factos concretos e passados (daí que por vezes se use também a designação de “juiz preconstituído” para referir o juiz natural ou legal). Trata-se de garantir uma competência fixada exclusivamente por lei, com base em critérios gerais e objetivos, previamente definidos, que não deixe margem para alternativas construídas em função das circunstâncias do caso, sejam elas de índole substantiva ou adjetiva. É a interpretação normativa em causa que produz uma norma de densidade insuficiente para assegurar a predeterminação do juiz competente. E, na medida em que em causa está a garantia do juiz natural, justifica- -se a intervenção do Tribunal Constitucional. 17. É sabido que uma importante decorrência do princípio do juiz natural consiste em fazer recair sobre o legislador o encargo de produzir normas orgânicas e processuais que contenham regras objetivas de estipu- lação do tribunal chamado a intervir em cada caso. A exigência da determinabilidade impõe, pois, a aptidão das leis para estabelecer, com clareza, precisão e rigor, o juiz competente para cada caso. Ora, a verdade é que a norma se limita, como se disse, a “estender” a um determinado tribunal (o TCIC) a competência para realizar a fase de instrução, apenas porque era esse o tribunal competente para a prática dos atos jurisdicionais na fase de inquérito. Sobre as regras que definem a competência do tribunal para a realização desses atos, a norma é silente. As dúvidas sobre a norma resultam de ela não estabelecer qualquer regra objetiva de atribuição de competência para a realização dos atos jurisdicionais do inquérito, da instrução ou da pronúncia – que são fases distintas do processo penal. O seu único conteúdo normativo consiste, repete-se, na extensão de uma
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