TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

155 acórdão n.º 41/16 Artigo 80.º Casos especiais de competência 1 – A competência a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, quanto aos crimes enunciados no n.º 1 do artigo 47.º da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, cabe a um tribunal central de instrução criminal quando a atividade cri- minosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes distritos judiciais.» 13. Na base da interpretação deste regime legal acolhida pelo tribunal a quo, extraída dos artigos 22.º, 23.º e 80.º da LOFTJ, encontra-se o seguinte raciocínio: se a competência se fixa no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, então a competên- cia fixada no início do inquérito – juiz do TCIC –, mantém-se na fase de instrução. Na base deste entendi- mento está a pré-compreensão de que o «momento em que a ação se propõe», referido no citado artigo 22.º da LOFTJ, equivale, no processo-crime (onde não existem “ações”), ao momento em que foi instaurado o inquérito. Já para o recorrente, a competência para a instrução deve ser determinada no momento em que é dedu- zida acusação, pois é esta que fixa o objeto do processo, não fazendo qualquer sentido (em processo crime) atender ao (inexistente) «momento em que a ação se propõe». Resultado lógico deste entendimento é que, vindo a não se verificar qualquer dos pressupostos, previstos no artigo 80.º, n.º 1, da LOFTJ, para atribuição da competência ao juiz do TCIC, então a competência para a instrução cabe ao juiz do TIC – a quem é, por assim dizer, devolvida – nos termos estabelecidos no artigo 79.º, n.º 1, da LOFTJ. Para o recorrente, a violação do princípio do juiz natural funda-se precisamente na circunstância da norma aplicada pelo Tribunal da Relação permitir subtrair «de forma artificial e ilegal» o processo ao juiz do TIC, tribunal cuja competência se encontra predeterminada na lei em razão do território. 14. Note-se que em causa não está – ou não está exclusivamente – o mero confronto entre duas inter- pretações possíveis das normas legais que regulam a competência dos tribunais de instrução criminal. Se fosse apenas isso, não poderia o Tribunal Constitucional intervir, impedido como está de dirimir conflitos interpretativos relativos ao direito infraconstitucional. Mas o que verdadeiramente está em causa é a garantia do juiz natural. Atente-se nesta sequência lógica: 1.º Primeiro, a lei fixa a competência dos diversos tribunais de instrução criminal em razão do território; 2.º Depois, a lei estabelece uma exceção àquele quadro competencial, relativa ao Tribunal Central de Instrução Criminal, combinando dois outros critérios: o tipo de crime e a dispersão geográfica dos factos nele enquadráveis; 3.º Com base nesta regra, o juiz do TCIC recebe competência para a prática de atos jurisdicionais na fase de inquérito; 4.º Chegado o processo à fase de instrução, pode ocorrer uma de duas coisas: a) Ou é deduzida acusação por crime preenchendo os critérios competenciais do TCIC – e o processo aqui prossegue; b) Ou tal não sucede, vindo algum dos investigados a ser acusado por um crime sem enquadra- mento nos critérios legais atributivos de competência ao TCIC – mas o processo não passa para o TIC normalmente competente em função do local da prática do crime. Significa isto que a “viagem” do processo para o TCIC é de sentido único. A competência deste alarga- -se, mas carece de elasticidade, não se comprimindo e nunca regressando à “normalidade competencial”. Uma vez posta entre parêntesis a competência do TIC territorialmente competente, nunca mais voltará a recuperá-la, tornando-se este, qualquer que seja a evolução do processo, definitivamente incompetente.

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